Controle de questões de concursos públicos pelo Poder Judiciário

O Superior Tribunal de Justiça tratou recentemente de tema muito importante para os concurseiros: a análise de questões de provas de concursos públicos pelo Poder Judiciário. Registre-se que este julgamento se deu em maio de 2017, no RMS 49.896-RS, sendo publicado no Informativo de Jurisprudência nº 603.

Antes de se proceder a uma análise mais detida desta decisão, é importante percorrer o posicionamento doutrinário e jurisprudencial a respeito deste tópico.

Esta discussão tem uma grande importância para o Direito Administrativo tendo em vista que o que se está a questionar é a possibilidade, ou não, de análise do mérito dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Sabe-se que o Judiciário possui a competência para analisar o mérito apenas dos seus próprios atos, tendo em vista que a análise do mérito de atos de outros poderes pode ferir o princípio da separação destes.

Assim, a tese que se coloca é: se um candidato não concordar com o gabarito de uma questão de concurso, ou com a correção de sua resposta, pode o Poder Judiciário rever a pontuação atribuída pela banca examinadora?

O concurso público pode ser dividido em várias fases, com espécies de provas diferentes. No caso de uma prova objetiva, também chamada de múltipla escolha, muito comuns em primeiras etapas, doutrina e jurisprudência são pacíficas no entendimento de que é possível sim a análise pelo Poder Judiciário, caso o candidato demonstre uma ilegalidade.

Isso porque, neste tipo de prova, a avaliação é objetiva, não havendo nenhum tipo de subjetividade por parte da banca que corrige a questão. O gabarito, por evidente, deve apresentar apenas uma questão correta. Caso o candidato comprove que o gabarito apresentou a resposta errada, ou que a questão possui mais de uma alternativa correta, o Poder Judiciário pode anular a questão, atribuindo ao candidato os pontos eventualmente perdidos.

Mais complexa é a análise pelo Poder Judiciário do gabarito em provas dissertativas (também denominadas de discursivas) ou provas orais, pois não dá para negar que, nesses casos, existe um grau de subjetividade e discricionariedade por parte do examinador. Tanto é que “deve a Administração ter o redobrado cuidado de selecionar, para seus concursos, examinadores dotados de muito equilíbrio e imparcialidade, de modo a reduzir os riscos de resultados injustos provocados pela atuação de examinadores desequilibrados e desajustados aos objetivos reais visados pelos certames públicos”, conforme dita José dos Santos Carvalho Filho em seu Manual de Direito Administrativo (2017, p. 688).

Nesta seara, o STF ao julgar o RE 632.853 decidiu que não competiria ao Judiciário substituir a banca examinadora no reexame do conteúdo das questões e dos critérios de correção utilizados, tendo em vista que se trata de uma atuação discricionária, que não poderia sofrer controle de mérito. Todavia, excepcionalmente, nesse mesmo recurso extraordinário o Supremo Tribunal Federal afirmou que o Judiciário poderia analisar a compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o programa previsto no edital. Ou seja, seria possível realizar um juízo de adequação da prova ao edital que a regulamenta.

No entanto, é importante salientar que uma coisa é o controle de mérito do ato, que realmente não pode ser feito pelo Poder Judiciário (salvo para seus próprios atos). Coisa distinta é o controle de legalidade. Este pode e deve ser realizado pelo Poder Judiciário, mesmo  em caso  de exame das questões de concursos públicos.

Foi exatamente com esta fundamentação que o STJ, no RMS citado no início, decidiu que o grave erro no enunciado de questão demonstra ilegalidade, devendo então conduzir à sua completa anulação.

Neste caso, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que o erro da questão, que inclusive foi reconhecido pela própria banca, era um erro evidente que teria, portanto, o condão de influir na resposta dada pelo candidato. Assim, mereceria a questão ser declarada ilegal e consequentemente anulada.

Fiquem atentos quanto a este ponto do Direito Administrativo.

Flávia Campos

Profa. de Direito Administrativo do SupremoTV 

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