Juízo competente para julgar ação de negativa do auxílio emergencial

Em virtude da pandemia do Coronavírus foi editada a Lei n. 13.982, de 02 de abril de 2020, que versa sobre parâmetros adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao benefício de prestação continuada (BPC), e que estabeleceu ainda medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus (Covid-19) responsável pelo surto, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Este diploma, por sua vez, dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

Uma das medidas de enfrentamento da crise instalada pela pandemia foi a concessão do auxílio emergencial. Segundo números divulgados pela Caixa Econômica Federal no dia 17 de junho de 2020, R$ 81,3 bilhões foram pagos e R$ 63,5 milhões de pessoas se beneficiam do auxílio emergencial do governo federal – vide https://bit.ly/2YJlx5C

Segundo o art. 2º da Lei n. 13.979/2020, durante o período de 3 (três) meses, a contar da publicação da lei, será concedido auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais ao trabalhador que cumpra cumulativamente os seguintes requisitos:

I – seja maior de 18 (dezoito) anos de idade, salvo no caso de mães adolescentes;

II – não tenha emprego formal ativo;

III – não seja titular de benefício previdenciário ou assistencial ou beneficiário do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, ressalvado, nos termos dos §§ 1º e 2º, o Bolsa Família;

IV – cuja renda familiar mensal per capita seja de até 1/2 (meio) salário-mínimo ou a renda familiar mensal total seja de até 3 (três) salários mínimos;

V – que, no ano de 2018, não tenha recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 (vinte e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos); e

VI – que exerça atividade na condição de:

a) microempreendedor individual (MEI);

b) contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social que contribua na forma do caput ou do inciso I do § 2º do art. 21 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991; ou

c) trabalhador informal, seja empregado, autônomo ou desempregado, de qualquer natureza, inclusive o intermitente inativo, inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) até 20 de março de 2020, ou que, nos termos de autodeclaração, cumpra o requisito do inciso IV.

Mas se o auxílio for negado, qual o Juízo competente para julgá-lo:  o do domicílio do autor ou o do Distrito Federal (onde está a sede institucional da União)?

No caso analisado pelo STJ, a impetrante alegou que a Caixa Econômica Federal indeferiu o pedido de auxílio emergencial argumentando que os requisitos não estariam preenchidos. Entretanto, a impetrante afirmou o contrário. Segundo ela, está sem emprego formal ativo, não recebe benefício previdenciário ou assistencial e não exerce atividade empresarial.

De acordo com posição tomada pelo STJ no Conflito de Competência 172.953/DF, DJe 25 de junho de 2020, que teve como suscitante o Juízo da 8ª Vara Federal de Brasília/DF e o Juízo da 2ª Vara Federal de Santo André/SP, como suscitado, cabe a ao juízo do domicílio da autora analisar o caso, no caso, Santo André.

Em seu voto, a Min. Assusete Magalhães designou temporariamente, até julgamento final pelo órgão colegiado, a 2ª Vara Federal de Santo André – local de domicílio da autora – para decidir sobre eventuais questões urgentes no mandado de segurança impetrado contra autoridades coatoras da Caixa Econômica Federal, da União e da Empresa Pública de Tecnologia e Informações da Previdência (DATAPREV), questionando a negativa no recebimento do auxílio emergencial.

A ação foi ajuizada na Justiça Federal de Santo André (domicílio da impetrante), que declinou da competência para uma das Varas Federais do Distrito Federal, sob a alegação de que as autoridades impetradas teriam sede em Brasília.

De acordo com o STJ, pelo menos na análise inicial, deve-se aplicar ao caso o entendimento segundo o qual o mandado de segurança deve ser impetrado no foro do domicílio do autor, nos casos em que ele se dirige contra autoridades da União e de suas entidades autárquicas, pois tal medida facilita o acesso à Justiça.

De fato, ao caso deve incidir o art. 109, § 2º, da Constituição Federal, segundo o qual “as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.”

Em nome da facilitação do acesso ao Judiciário, e diante da capilaridade nacional da Justiça Federal, a Constituição Federal prevê que as demandas contra a União devem ser ajuizadas i) na Seção Judiciária em que for domiciliado o autor; ii) naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda; iii) onde esteja situada a coisa ou ainda iv) no Distrito Federal.

O STJ seguiu sua tradicional posição: nas causas intentadas contra a União, inclusive em ações mandamentais, pode-se eleger a Seção Judiciária do domicílio do autor, com o objetivo de facilitar o acesso à Justiça.

Eis algumas decisões nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE FEDERAL. ART. 109, § 2º, DA CF/1988. AÇÃO IMPETRADA NO FORO DO DOMICÍLIO DA AUTORA. POSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. Nos termos do art. 109, § 2º, da CF/1988: ‘as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.’

2. O enunciado constitucional não limita a escolha dada aos requerentes advindas da natureza do mandado de segurança. Precedente em hipótese semelhante ao caso dos autos: AgRg no CC 167.534/DF, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 03/12/2019, DJe 06/12/2019.

3. Agravo interno não provido.”

(AgInt no CC 170.533/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 02/06/2020, DJe 05/06/2020)

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ARTIGO 109, § 2o. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO NO DOMICÍLIO DO AUTOR. FACULDADE CONFERIDA AO IMPETRANTE. AGRAVO INTERNO DA UNIÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Conforme estabelece o § 2º do art. 109 da Constituição Federal, as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal, visando o acesso à Justiça.

2. Agravo Interno da UNIÃO a que se nega provimento.” (AgInt no CC 167.242/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 27/05/2020, DJe 04/06/2020)

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ARTIGO 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO NO DOMICÍLIO DO AUTOR. FACULDADE CONFERIDA AO IMPETRANTE. PRECEDENTES.

1. O STJ, seguindo a jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal Federal, entende que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na Seção Judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda, ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

2. Optando o autor por impetrar o mandamus no seu domicílio, e não naqueles outros previstos no § 2° do art. 109 da Constituição Federal, não compete ao magistrado limitar a aplicação do próprio texto constitucional, por ser legítima a escolha da parte autora, ainda que a sede funcional da autoridade coatora seja no Distrito Federal, impondo-se reconhecer a competência do juízo suscitado….” (AgInt no CC 166.313/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe 07/05/2020)

Como se percebe, confere-se ao autor diversos caminhos ou alternativas para ingressar com ações contra a União. No caso analisado pelo STJ, a solução mais adequada e consentânea com o art. 109, § 2º, da Constituição Federal, é a que permite o ajuizamento da ação no domicílio da autora, no caso, impetrante.

Se o polo passivo fosse ocupado somente pela Caixa (instituição que possui natureza jurídica de empresa pública – ver art. 1º do Decreto-Lei n. 759, de 12 de agosto de 1969), o ajuizamento da ação deveria ser efetuado no local da agência da Caixa Econômica Federal responsável pela administração dos valores questionados nos autos (REsp 837.191/DF, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 17/10/2006, DJ 06/12/2006, p. 249). Local este que, na minha visão, é de onde o indivíduo possui conta, permitindo-se ser também onde ele está domiciliado, pois segundo o art. 1º, parágrafo único, do DL 759/1969, “a CEF terá sede e foro na Capital da República e ‘jurisdição’ (sic) em todo o território nacional”, medida que facilitaria o acesso ao Judiciário, tal qual prevê o art. 109, § 2º para demandas contra a União.

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Rodrigo Leite

Coautor do livro “Análise das Divergências Jurisprudenciais no STF e STJ”, Editora Juspodivm. Autor do livro “Tombamento – Vol. 36 – Coleção Leis Especiais para Concursos”, Editora Juspodivm. Autor do livro “Desapropriação – Vol. 39 – Coleção Especiais para Concursos”, Editora Juspodivm. Coautor do livro “Saberes Jurisprudenciais”, Editora Saraiva. Especialista em Direito Público e Direito Processual Civil. Mestre em Direito Constitucional. Aluno laureado das Turmas 2005.2 da Universidade Potiguar. Autor de artigos jurídicos. Máster Universitário em Direito Constitucional pela Universidad Del País Vasco, San Sebastián, Espanha. Advogado licenciado. Assessor de Desembargador do TJRN.

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