Quando viver mais se torna um castigo

O objetivo desse pequeno texto é refletir sobre a avalanche de notícias veiculadas, tanto pela mídia escrita quanto digital, sobre a situação do idoso na COVID-19. Primeiro, vieram as proposições italianas – não se sabe se assim ocorreu – de deixar que os idosos morressem para que os jovens sobrevivessem. Dali em diante, outras falas surgiram, difusas, com propostas diversas, mas que convergiam para uma verdadeira banalização da ideia da prescindibilidade da vida do idoso.

É preciso atentar para a busca de políticas específicas, com preceitos éticos claros, de forma a garantir a dignidade dessa população tão vulnerável. Parece absurdo dizer isso em momento de pandemia? Entendo que não.

Ainda hoje li a notícia da morte de uma senhora de 90 anos, belga, que infectada pelo novo coronavírus, renunciou ao respirador para que este fosse utilizado em pacientes jovens. Sem a possibilidade de receber visita da filha, deixou a mensagem: “você não pode chorar. Você fez tudo o que pôde. Eu tive uma vida boa”.

É possível acreditar que esta senhora, de fato, escolheu a morte. A Bélgica é um país, como a Holanda, a Suiça e outros, em que a consciência da morte é muito forte, e essas escolhas são legítimas. O que não se pode incentivar e aceitar é que o idoso tome atitudes altruístas para beneficiar outros, abrindo mão da própria vida, ao argumento de ter vivido mais tempo. E a impressão que eu tenho ao ler todas essas reportagens, é que se espera do velho esse comportamento. O que estamos propondo aos nossos velhos? Será que eles já não se sentem mortos, simbolicamente? Estamos dizendo a eles, com esse bombardeio de notícias, que eles são um peso? A forma como essas notícias são veiculadas e o espaço que elas ganham, dá a impressão de que os idosos, ao assim procederem, são um exemplo a ser seguido. Ora… faça-me o favor!!!!

Outra questão que se faz importante: as medidas tomadas devem ser motivadas, atentando para as evidências científicas, com clareza e transparência. A preparação de hospitais de campanha acontece em todo o Brasil e parece que o caminho está sendo bem trilhado. Mas, nesse contexto, é importante entender que, para além do cuidado biológico, com a compra de respiradores, camas hospitalares e local de atendimento a todos (ilusão?), o cuidado com a biografia dos pacientes é igualmente necessário. O amparo psicológico precisa ser ofertado ao paciente, aos familiares e às equipes que trabalham diuturnamente. Se bem preparados, é possível que muitos últimos segundos de vidas transcorram de mãos dadas com aquele que cuidou.              

Maria de Fátima Freire de Sá

Professora da PUCMinas e advogada

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