Escrito por Rodrigo Leite
Mestre em Direito Constitucional, Autor,
Assessor no TJRN e Conteudista do SupremoTV.
A Agência Nacional de Saúde (ANS) possui uma lista de procedimentos médicos (exames e cirurgias, por exemplo) que devem ser cobertos pelos planos de saúde. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC (idec.org.br), trata-se de rol ou listagem de procedimentos “que obrigatoriamente deverão ser cobertos pelas operadoras de planos de saúde. É aplicado apenas aos contratos novos, ou seja, aqueles assinados a partir de janeiro de 1999, quando entrou em vigor a Lei de Planos de Saúde (Lei 9.656/1998).”
Para a ANS (ans.gov.br), “o rol de procedimentos e eventos em Saúde garante e torna público o direito assistencial dos beneficiários dos planos de saúde, válida para planos de saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, contemplando os procedimentos considerados indispensáveis ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de doenças e eventos em saúde, em cumprimento ao disposto na Lei n. 9.656/1998. Em 01 de abril de 2021, entra em vigor as novas coberturas obrigatórias para beneficiários de planos. São 69 coberturas acrescentadas ao Rol de Procedimentos obrigatórios que os planos de saúde são obrigados a cobrir, sendo 50 relativas a medicamentos e 19 referentes a procedimentos como exames, terapias e cirurgias. Na lista de medicamentos, estão 19 antineoplásicos orais que contemplam 28 indicações de tratamento para diversos tipos de câncer; 17 imunobiológicos com 21 indicações para tratamento de doenças inflamatórias, crônicas e autoimunes, como psoríase, asma e esclerose múltipla; e 1 medicamento para tratamento de doença que leva a deformidades ósseas. Na lista dos procedimentos estão exames, terapias e cirurgias para diagnóstico e tratamento de enfermidades do coração, intestino, coluna, pulmão, mama, entre outras.”
O primeiro rol de procedimentos e eventos em saúde estabelecido pela ANS foi o definido pela Resolução de Conselho de Saúde Suplementar – CONSU 10/1998, sendo posteriormente atualizado até chegarmos na Resolução Normativa – RN 465, de 24 de fevereiro de 2021. Na saúde suplementar, a incorporação de novas tecnologias em saúde, bem como a definição de regras para sua utilização e atualização periódica do rol de procedimentos e eventos em saúde, é regulamentada pela Resolução Normativa 439, de 03/12/2018.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sempre entendeu que esse rol da Agência Nacional de Saúde era meramente exemplificativo, sendo essa ainda hoje a posição uniforme de sua Terceira Turma.
De acordo com este órgão colegiado, “o fato de o procedimento não constar no rol da ANS não significa que não possa ser exigido pelo usuário, uma vez que se trata de rol exemplificativo.” (AgInt no AREsp 1442296/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 23/03/2020, DJe 25/03/2020; AgRg no AREsp 708.082/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 16/02/2016, DJe 26/02/2016; AgInt no REsp 1929629/RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 25/05/2021, DJe 28/05/2021.
Assim, o fato de eventual tratamento médico não constar do rol de procedimentos da ANS não significa, per se, que a sua prestação não possa ser exigida pelo segurado, pois, tratando-se de rol exemplificativo, a negativa de cobertura do procedimento médico cuja doença é prevista no contrato firmado implicaria a adoção de interpretação menos favorável ao consumidor (AgInt no REsp 1912467/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 29/03/2021, DJe 06/04/2021).
De fato, compreendo que por mais que passe por atualizações e represente um meio de orientação para profissionais e consumidores, é impossível que a lista traga todos os eventos e procedimentos em saúde cabíveis ou existentes. O rol, entendo, deve ser visto como lista de abrangência mínima que deve ser oferecida pelas operadoras de plano de saúde aos consumidores e não como uma delimitação taxativa de cobertura. Logo, deve ser considerada abusiva a negativa da cobertura pelo plano de saúde do tratamento considerado apropriado para resguardar a saúde e a vida do paciente, ainda que não conste no mencionado rol.
Como dito pela Terceira Turma do STJ, não há como exigir do consumidor, no momento em que decide aderir ao plano de saúde, o conhecimento acerca de todos os procedimentos que estão – e dos que não estão – incluídos no contrato firmado com a operadora do plano de saúde, inclusive porque o rol elaborado pela ANS apresenta linguagem técnico-científica, absolutamente ininteligível para o leigo. Igualmente, não se pode admitir que mero regulamento estipule, em desfavor do consumidor, a renúncia antecipada do seu direito a eventual tratamento prescrito para doença listada na CID, por se tratar de direito que resulta da natureza do contrato de assistência à saúde – nesse sentido: REsp 1.876.630/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 09/03/2021, DJe 11/03/2021.
A Quarta Turma do STJ também entendia que o rol era exemplificativo – ver nesse sentido: AgInt no REsp 1682692/RO, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 21/11/2019, DJe 06/12/2019; AgInt no AREsp 1516463/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe 05/11/2019 e AgInt no AREsp 1353908/BA, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 23/09/2019, DJe 26/09/2019).
Todavia, a Quarta Turma, no julgamento do REsp 1.733.013/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/12/2019, DJe 20/02/2020, mudou seu entendimento para assentar que “é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas.”
Esse julgamento ocorreu no dia 10 de dezembro de 2019. A própria Quarta Turma, contudo, no dia 16 de dezembro de 2019, decidiu que o rol de procedimentos da ANS era exemplificativo – ver AgInt no AREsp 1524295/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 16/12/2019, DJe 19/12/2019) – ver página 8 do acórdão.
Após essa oscilação, a Quarta Turma do STJ passou a entender de modo pacífico que o rol de é taxativo, pois se trata de ato estatal, do regime jurídico de direito administrativo, com expressa previsão em lei, ao qual se submetem fornecedores e consumidores da relação contratual de direito privado – ver nesse sentido: AgInt no REsp 1879645/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 27/04/2021, DJe 04/05/2021 e AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1700315/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 26/04/2021, DJe 29/04/2021)
Assim, há um dissenso entre as Turmas de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça acerca do assunto. A Terceira Turma do STJ continua firme na jurisprudência tradicional da Corte, a de que o rol de procedimentos e eventos em saúde elaborado pela ANS é exemplificativo e a Quarta Turma, por outro lado, defende que o rol é taxativo.
Creio que em breve, diante dessa divergência, o tema irá desaguar na Segunda Seção do STJ.
Abraço a todos.
Gostou deste artigo? Compartilhe com seus amigos!
Fique atento ao nosso site, às nossas redes sociais e prepare-se conosco!
Conheça nossos cursos em supremotv.com.br e siga-nos no Instagram: @supremotv.
Aproveite para seguir nosso canal no Telegram! Divulgamos conteúdos exclusivos e em primeira mão para você saber de editais e notícias antes de todo mundo! Faça parte agora mesmo: bit.ly/TelegramSupremo.
Leave a Reply