Escrito por Rodrigo Leite
Mestre em Direito Constitucional, Autor,
Assessor no TJRN e Conteudista do SupremoTV.
A energia é tida como bem móvel, segundo o Código Civil (art. 83, I), assim, pode ser objeto do delito de furto, pois o § 3º do art. 155 do CP, estipula que “equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico” e também pode ser objeto de delito de estelionato (art. 171 do CP).
Existe uma proximidade entre os dois delitos quando estamos diante do furto mediante fraude (figura qualificada prevista no art. 155, § 4º, II) e o estelionato (art. 171 do CP), que tem na fraude, sua elementar.
Para diferenciar os delitos, todavia, os tribunais e a doutrina imprimiram as seguintes distinções: no furto qualificado mediante fraude, o agente subtrai a coisa com discordância expressa ou presumida da vítima, sendo a fraude utilizada como meio para retirar a coisa da esfera de vigilância da vítima. Subtrai-se a coisa sem a participação ativa alguma da vítima. No estelionato, por sua vez, o autor obtém o bem através de transferência empreendida pelo próprio ofendido por ter sido induzido em erro. A própria vítima entrega a coisa – ver nessa linha: AgRg no REsp 1279802/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 08/05/2012, DJe 15/05/2012 e AREsp 1418119/DF, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 07/05/2019, DJe 13/05/2019.
Esse é o ponto central e diferenciador dos crimes: no furto mediante fraude a coisa é retirada da vítima sem a sua anuência. No estelionato, ao seu turno, a própria vítima induzida pela fraude entrega o bem. É a atuação de vítima que distingue os delitos.
Segundo Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p 958) eis a polêmica estabelecida no caso concreto, provocando variadas posições na jurisprudência. O cerne da questão diz respeito ao modo de atuação da vítima, diante do engodo programado pelo agente. Se este consegue convencer o ofendido, fazendo-o incidir em erro, a entregar, voluntariamente, o que lhe pertence, trata-se de estelionato; porém, se o autor, em razão do quadro enganoso, ludibria a vigilância da vítima, retirando-lhe o bem, trata-se de furto com fraude. No estelionato, a vítima entrega o bem ao agente, acreditando fazer o melhor para si; no furto com fraude, o ofendido não dispõe de seu bem, podendo até entregá-lo, momentaneamente, ao autor do delito, mas pensando em tê-lo de volta.
A fraude do furto tem por finalidade reduzir a vigilância da vítima para que ela não compreenda que está sendo desapossada. No estelionato, a fraude visa fazer a vítima incidir em erro para que ela, vítima, entregue o bem de forma espontânea ao agente – vide sobre o tema: AgRg no CC 74.225/SP, Rel. Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJMG), Terceira Seção, julgado em 25/06/2008, DJe 04/08/2008.
Segundo Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fabio Almeida Delmanto (Código Penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 564), o furto praticado mediante fraude não se confunde com o crime de estelionato. No primeiro tipo (CP, art. 155, § 4º, II, segunda figura), a fraude é empregada para iludir a atenção ou vigilância do ofendido, que nem percebe que a coisa lhe está sendo subtraída. No estelionato, ao contrário, a fraude antecede o apossamento da coisa e é a causa de sua entrega ao agente pela vítima; esta entrega a coisa iludida, pois a fraude motivou seu consentimento.
No caso de fraude envolvendo de energia elétrica, temos o seguinte cenário: se ocorre o desvio de energia (com ligação direta para a residência sem passar pelo medidor; ligação poste-casa) o crime é de furto mediante fraude (é o denominado “gato”). Todavia, se o agente faz com que a energia chegue, mas com quantitativo menor, viciando o aparelho medidor, estamos diante de estelionato.
Em termos mais comuns: na primeira situação a fraude é utilizada para retirar/subtrair a energia da concessionária (leigamente se diria que o medidor ficaria sem funcionar). Na segunda hipótese, a concessionária ludibriada entrega a energia, mas em menor quantidade (aqui, o medidor gira, todavia, em menor rotação que a correta).
Essa linha de raciocínio, envolvendo desvio de água, foi trazida pelo STJ no AgRg no AREsp 1373228/SP, DJe 05/04/2019, quando se disse que “configura o crime de furto qualificado pela fraude (art. 155, § 4º, II, do Código Penal) a conduta consistente no furto de água praticado mediante ligação clandestina que permitia que a água fornecida pela CAESB fluísse livremente, sem passar pelo medidor de consumo.”
No caso da energia elétrica, o crime de furto poderá ocorrer, por exemplo, quando se instala ou se retira fiação diretamente do poste de energia para a moradia ou comércio, sem passar por qualquer medidor; desvia-se a corrente elétrica, portanto, em momento anterior ao repasse no medidor, como se vê comumente em ligações clandestinas. Deve-se advertir que se a energia for desviada em momento posterior ao medidor oficial, empregando-se algum dispositivo para viciá-lo, o crime será de estelionato (art. 171 do CP) – ESTEFAM, André. Direito Penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 393.
No “gato” ocorre o desvio da energia elétrica antes, sem que ela passe do registro/medidor, com subtração da energia (ligação direta do poste para a residência), a incidir, portanto, a figura do furto mediante fraude. No furto mediante fraude há subtração e inversão da posse do bem.
No delito de estelionato, por sua vez, ocorre a adulteração no medidor de energia elétrica, de modo a registrar menos consumo do que o real, fraudando a empresa fornecedora (HC 67.829/SP, DJ 10/09/2007). O agente usa de artifício (finge uma situação de normalidade) para provocar um resultado de consumo a menor, para que o medidor não marque corretamente.
Essa distinção foi realizada, por exemplo, no AREsp 1418119/DF, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 07/05/2019, quando o STJ considerou que, no caso concreto, houve alteração (adulteração) no medidor de energia elétrica com redução do consumo de energia, induzindo a erro a companhia elétrica, o que configurou estelionato.
No caso, houve redução da quantidade de energia registrada no relógio e, por consequência, a de consumo, gerando a obtenção de vantagem ilícita. O caso dos autos não se tratou da figura do “gato” de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Tratou-se de prestação de serviço lícito, regular, com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo, – fraude -, por induzimento ao erro da companhia de eletricidade, que mais se adequa à figura descrita no art. 171, do Código Penal (estelionato).
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