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O Twitter censurou Jair Bolsonaro?

Neste domingo, 29 de março de 2020, dois posts publicados pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, foram deletados pela rede social Twitter, trazendo à tona forte polêmica entre os usuários da plataforma. Nos “tweets”, o chefe do Executivo apresentava imagens de seu domingo, quando compareceu às ruas de Ceilândia, no Distrito Federal, provocando pequena aglomeração de populares, bem como defendia a utilização de um medicamento no tratamento da doença COVID-19.

Esta conduta de Bolsonaro, em plena crise provocada pelo coronavírus, contraria as orientações emanadas das autoridades médicas e sanitárias, inclusive de seu próprio Ministro da Saúde, no sentido de se manter o denominado isolamento horizontal, como forma de evitar a propagação da doença e consequentemente o colapso do sistema de saúde brasileiro. Todavia, o passeio pelas cidades satélites está alinhado ao posicionamento adotado pelo líder da nação nas últimas semanas, em promover um retorno do país à normalidade, salvaguardando-se a economia, as empresas e os empregos.

A questão jurídica em debate é saber se houve legítima restrição à liberdade de expressão do Presidente ou se, ao revés, ocorreu uma indevida supressão deste direito fundamental. De início, vale registrar que há bons argumentos em ambas as direções.

Primeiramente, é importante recordar que o Twitter, em 27 de março, dois dias portanto antes do apagamento, alterou suas regras de uso da plataforma, em consequência da pandemia. Nas novas normas, está expresso que a empresa: a) está aumentando o uso de machine learning e automação para detectar conteúdos potencialmente abusivos e manipuladores, estando estes mecanismos tecnológicos sujeitos a revisão por humanos; b) conta com um aumento significativo do tráfego na plataforma, se comprometendo a se manterem focados em permitir a continuidade dos serviços; c) resolveu ampliar a definição de danos, para que possam atuar diretamente em conteúdos que vão frontalmente contra as informações globais e locais de saúde pública, orientadas por fontes oficiais.

Sob esta nova orientação, o Twitter promoverá a remoção de conteúdos que:

– proponham a negação das recomendações de autoridades de saúde locais ou globais para diminuir a possível exposição ao COVID-19 com a intenção de influenciar as pessoas a agir contra as orientações recomendadas, como: “o distanciamento social não é eficaz” ou incentivar ativamente as pessoas a não se distanciar socialmente em áreas impactadas pelo COVID-19;

– descrevam tratamentos ou medidas de proteção que não sejam diretamente prejudiciais, mas ineficazes; que não se aplicam ao contexto do COVID-19; ou que estão sendo compartilhadas com a intenção de enganar outras pessoas, mesmo que sejam em tom de humor, como “o coronavírus não é resistente ao calor – caminhar ao ar livre é suficiente para se proteger” ou “use aromaterapia e óleos essenciais para prevenir o COVID-19”;

descrevam tratamentos prejudiciais ou medidas de proteção ineficazes; que não se aplicam ao COVID-19; ou estão sendo compartilhadas fora de contexto para enganar pessoas, mesmo que sejam feitas em tom de brincadeira, como “beber água sanitária e ingerir prata coloidal curará o COVID-19”;

– neguem fatos científicos estabelecidos em relação a transmissão durante o período de incubação ou orientação das autoridades de saúde locais e globais, como “COVID-19 não infecta crianças porque não vimos nenhum caso de crianças doentes”;

– façam afirmações específicas em torno das informações do COVID-19 que têm como objetivo manipular as pessoas para um determinado comportamento, para ganho de terceiros com um pedido de alguma ação, como “o coronavírus é uma fraude e não é real – saia e curta seu bar local!!” ou “as notícias sobre lavar as mãos são propaganda para as empresas de sabão, parem de lavar as mãos” ou “ignorem as notícias sobre o COVID-19, elas são apenas uma tentativa de destruir o capitalismo, quebrando o mercado de ações”;

– promovam afirmações específicas e não verificadas que incitam as pessoas a agir e causam pânico generalizado, agitação social ou desordem em larga escala, como “a Guarda Nacional acaba de anunciar que não haverá mais reposição de alimentos por 2 meses – vá até o supermercado o mais rápido possível e compre tudo o que puder!”;

– façam afirmações específicas e não verificadas feitas por pessoas que se passam por um funcionário, organização ou governo de saúde, como uma conta de paródia de um oficial de saúde italiano afirmando que a quarentena do país acabou;

– promovam a propagação de informações falsas ou enganosas sobre os critérios ou procedimentos de diagnóstico do COVID-19, como “se você puder prender a respiração por 10 segundos, não terá coronavírus”;

– tragam declarações falsas ou enganosas sobre como diferenciar COVID-19 de outra doença e informações que tenham o objetivo de diagnosticar alguma pessoa, como “se você tem tosse úmida, não é coronavírus – mas tosse seca é” ou “você vai sentir como se estivesse se afogando em catarro se tiver coronavírus – não é uma secreção nasal normal”.

– contenham informações de que grupos específicos ou nacionalidades nunca são suscetíveis ao COVID-19, como “pessoas com pele escura são imunes ao COVID-19 devido à produção de melanina” ou “a leitura do Alcorão tornará um indivíduo imune ao COVID-19”.

– façam afirmações de que grupos específicos ou nacionalidades são mais suscetíveis ao COVID-19, como “evite empresas pertencentes ao povo chinês, pois é mais provável que tenham o COVID-19”.

Ao que tudo indica, a conduta de Bolsonaro teria sido enquadrada pela rede social como ofensiva à sua nova política, em especial, por propor que as pessoas possam agir como ele, indo às ruas em completa contradição ao que vem sendo orientado em quase todos os países atingidos pela pandemia. Na visão desta plataforma, o Presidente teria negado as recomendações de autoridades de saúde locais ou globais para diminuir a possível exposição à COVID-19, com a intenção de influenciar as pessoas a agir contra as orientações recomendadas. Daí a restrição feita à liberdade de expressão.

Do ponto de vista dos direitos fundamentais, parece que o Twitter optou em salvaguardar a saúde e a vida das pessoas, como direitos coletivos, a permitir que pessoa com notório poder de influência usasse seus serviços a fim de difundir opinião pessoal contrária a dados científicos majoritários.

Se é certo que não há direito fundamental absoluto, é possível que um provedor faça o controle posterior de postagens em seus serviços? Certamente sim. E isto é rotina tanto nos serviços da plataforma em tela, quando em outros ofertados, por exemplo, por Google e Facebook. Para usar um exemplo contundente, há cotidiana supressão de postagens relativas à pedofilia ou terrorismo.

Segundo a lei brasileira, em especial o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), os provedores de conteúdo não são obrigados a fazer checagem prévia de postagens. Mas, quando um post for potencial ou concretamente ofensivo a terceiros ou a uma coletividade, pode sim haver a remoção do conteúdo, por ato próprio ou por determinação de um juiz.

O artigo 19 desta Lei prevê que: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.” O que esta regra quer destacar é a inexistência de responsabilidade prévia do provedor de conteúdo, pelo controle de postagens. O dever jurídico de supressão de conteúdo só existirá após notificação judicial. A partir daí, apenas,é possível se falar em responsabilidade por omissão.

Esta regra, de maneira nenhuma, impede que o provedor desenvolva mecanismos de controle para a proteção a direitos de terceiros, conforme sua própria política. Ao que tudo indica, em tempos de pandemia, o Twitter resolveu incrementar suas regras a fim de evitar a desinformação, as notícias falsas (fake News) e o alarmismo que não contribuem em nada com os esforços transnacionais de prevenção e combate a este novo vírus.

Forçoso recordar que, em casos assim, a lei é expressa em afirmar que: “Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art. 19, caberá ao provedor de aplicações de internet comunicar-lhe os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário. (art. 20, Marco Civil da Internet). Ou seja, o Twitter deve informar ao Presidente da República as razões expressas da retirada do conteúdo postado, permitindo inclusive que, caso queira, possa ser acionado o Poder Judiciário para sua republicação. Da mesma forma que pode ter havido abuso no exercício da liberdade de expressão, pode também ter ocorrido abuso no direito de supressão. E, em última análise, quem irá verificar isto será o Estado no âmbito de sua função jurisdicional.

A atitude de apagamento levada a efeito causou estranhamento à comunidade cibernética porque o Twitter sempre foi visto como um vasto campo para o debate de ideias, por mais absurdas que estas possam parecer. Por tal razão, para muitos houve restrição indevida ao ponto de vista de Jair Bolsonaro. Fato é que, na percepção da empresa, como detalhado acima, para tempos excepcionais é preciso desenvolver regras igualmente excepcionais.

A liberdade de expressão em tempo de coronavírus, sem sombra de dúvidas, requer ainda mais responsabilidade quanto a seu exercício. Alguns poderão questionar: mas por que tweets de outras lideranças mundiais não foram igualmente retirados do ar? Por que houve esta restrição justamente ao Presidente do Brasil? Por que deletar um conteúdo que foi amplamente divulgado pela mídia; qual a eficácia disto? Com a palavra, o Twitter. Em conclusão, a conduta do Twitter se justifica a partir de sua própria política remodelada, devendo o provedor dar a oportunidade do usuário se manifestar e se defender para que, se for o caso, o conteúdo deletado seja repostado. Caso o Presidente da República discorde da posição da rede, poderá judicializar a questão, discutindo o abuso do direito de supressão por parte deste provedor de conteúdo.

Bruno Zampier é professor de Direito Civil do Supremo, Mestre e Doutorando em Direito pela PUC Minas.

Comments (2)

  • Monicasays:

    30 de March de 2020 at 22:26

    Ótimo post professor, muito esclarecedor. Não sou usuária do Twitter, mas causou-me estranheza a derrubada do post do Presidente, mesmo sendo contra a postura adotada por este. No entanto, ao saber das novas regras da rede social, acho que ficou mais claro o motivo da censura. Resta saber se será feito o mesmo com outros posts considerados pelo twitter como fora de suas regras.

  • Igor Nunessays:

    31 de March de 2020 at 18:27

    Discordo da atuação do Twitter afinal, não há consenso quanto a política a ser adotada. Pelo contrário, a cada dia mais países e médicos defendem o isolamento vertical, enfim no meu ponto de vista não cabe ao Twitter definir o que é científico ou não.

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