O Tema Repetitivo 1.215 do STJ trata da controvérsia acerca da configuração de bis in idem na aplicação simultânea da agravante genérica do art. 61, II, “f”, e da majorante específica do art. 226, II, ambos do Código Penal, em crimes contra a dignidade sexual. A relevância do tema culminou em sua inclusão no Informativo n. 834 do STJ, que divulgou a decisão da Terceira Seção proferida em 13/11/2024.
O art. 61, II, “f”, do Código Penal estabelece como agravante genérica o fato de o agente ter cometido o crime prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica. Já o Art. 226, inciso II, prevê uma causa de aumento de pena para os crimes contra a dignidade sexual quando o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge ou companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.
O caso concreto que deu origem ao Tema 1215 (REsp 2.038.833-MG) envolve a condenação de um pai pelo crime de estupro de vulnerável contra sua filha. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), ao analisar o recurso de apelação, afastou a agravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal, sob o argumento de que sua aplicação em conjunto com a majorante do art. 226, II, configuraria bis in idem, pois a relação doméstica e o parentesco teriam sido valorados negativamente em duas oportunidades.
O STJ, contudo, ao analisar o Recurso Especial interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais, reformou a decisão do TJMG. A Corte Superior entendeu que a agravante genérica do art. 61, II, “f”, e a majorante específica do art. 226, II, ambos do Código Penal, possuem fundamentos e âmbitos de aplicação distintos, não havendo, portanto, dupla punição pelo mesmo fato.
O STJ, em sua decisão, reconheceu que a relação de autoridade entre agente e vítima é um elemento comum a ambas as normas, o que poderia levar à conclusão de que a aplicação simultânea configuraria bis in idem. Entretanto, a Corte ponderou que a agravante do art. 61, II, “f”, abrange situações que extrapolam a mera relação de autoridade, como a exploração da confiança e da vulnerabilidade da vítima em contextos de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
Assim, o STJ concluiu que, exceto nos casos em que a relação de autoridade é o único elemento presente, a aplicação simultânea da agravante do art. 61, II, “f” e da majorante do art. 226, II, ambas do Código Penal, não configura bis in idem. A Corte Superior restabeleceu a agravante no caso concreto, considerando que o réu, além de ser pai da vítima, aproveitou-se da relação doméstica de convivência para a prática do crime.
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