Larissa Mascotte
Delegada de Polícia Civil de Minas Gerais
Pós-Graduada em Direito Processual
A Lei Maria da Penha completou em agosto deste ano 13 anos de existência e podemos dizer que ela sofreu inúmeras alterações nos últimos anos. Embora muito se discuta a necessidade de novas leis de combate à violência contra a mulher, fato é que a Lei 11.340/06 é considerada uma das três mais avançadas do mundo. Não obstante alguns ajustes ainda sejam necessários (como colmatar lacunas jurídicas hoje existentes), não podemos negar que a nossa legislação é bastante completa quando se trata de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Uma das principais alterações legislativas relativas à violência contra a mulher no ano de 2019 consistiu na inclusão do artigo 12-C à Lei Maria da Penha, que permite que o Delegado de Polícia, uma vez verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da vítima ou de seus dependentes, conceda a medida protetiva de afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, quando o Município não for sede de comarca. O dispositivo também autoriza que qualquer policial conceda esta medida, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. É importante ressaltar que a exceção à reserva jurisdicional somente abarca esta medida protetiva em específico, não valendo para as demais, como, por exemplo, proibição de contato com a ofendida. Nessas hipóteses, em que o afastamento do agressor do lar for determinado pelo Delegado de Polícia ou outro policial (nos Municípios que não forem sede de comarca), o juiz deverá ser comunicado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, devendo decidir, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, comunicando as medidas aplicadas ou revogadas ao Ministério Público.
Embora a alteração tenha sido positiva, na prática, tem pouca aplicabilidade e efetividade, já que a lei limitou a atuação do Delegado de Polícia somente aos Municípios que não forem sede de comarca e apenas permitindo o deferimento da medida protetiva de afastamento do agressor do lar conjugal. Na prática, de nada adianta afastar o agressor do lar, mas continuar permitindo o contato e a aproximação com a ofendida. Ademais, apenas as vítimas que solicitarem as medidas protetivas em municípios que não forem sede de comarca poderão se beneficiar com a concessão imediata da medida de afastamento do agressor do lar.
Sabemos que o Direito deve estar comprometido com o contexto no qual será aplicado, pois de nada adianta leis desconexas de bases reais e dos fins sociais. Não podemos olvidar que o fim último da Lei Maria da Penha é a proteção da vítima, isto é, coibir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher. A proteção da mulher seria muito maior e mais eficiente se o próprio Delegado de Polícia, ao invés de apenas formalizar o expediente com o requerimento da vítima, já pudesse de plano aplicar as medidas de urgência cabíveis ao caso, garantindo que a integridade física da vítima fosse resguardada desde o recebimento da denúncia. Na prática, os agressores voltam conduzidos à Delegacia de Polícia dias e até meses depois da denúncia e do requerimento de medidas protetivas, mas não podem ser presos pelo crime de desobediência de medidas protetivas de urgência (artigo 24-A), seja porque as medidas ainda não foram deferidas judicialmente ou pelo fato de ainda não terem sido intimados da decisão judicial (muitos, inclusive, se esquivam das intimações propositadamente).
Frise-se ainda que o Delegado de Polícia poderá deferir a medida protetiva de afastamento do agressor do lar (nos moldes do artigo 12-C) através de um despacho fundamentado nos autos do expediente apartado de medida protetiva (EAMP).
Outra alteração promovida no ano de 2019 foi através da Lei 13.871/19, que acrescentou a obrigação do agressor de ressarcir todos os danos causados com a violência. Assim, aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o tratamento das vítimas. O dinheiro recolhido deverá ir para o fundo de saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.
Esta mesma Lei (13.871/19) também passou a prever o ressarcimento pelo agressor dos custos com os dispositivos de segurança destinados ao monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas (dispositivos eletrônicos para monitoração móvel das medidas protetivas, capazes de identificar se o autor da violência está desrespeitando a distância mínima prevista).
Importante observar que a referida lei faz uma ressalva, o ressarcimento não poderá importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e dos seus dependentes, nem configurar atenuante ou ensejar possibilidade de substituição da pena aplicada.
Outra alteração na Lei Maria da Penha foi a determinação de que a mulher em situação de violência doméstica e familiar tem prioridade para matricular seus dependentes em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio, ou transferi-los para essa instituição, mediante a apresentação dos documentos comprobatórios do registro da ocorrência policial ou do processo de violência doméstica e familiar em curso. A lei garante o sigilo dos dados da ofendida e de seus dependentes matriculados ou transferidos nessas situações. Impende salientar ainda que o juiz poderá ordenar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica independentemente da existência de vaga.
Já a Lei 13.880/19 passou a prever que a Autoridade Policial deverá, em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, após a confecção do boletim de ocorrência, verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, notificar à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte, para as providências cabíveis. A nova lei garante ainda a apreensão da arma de fogo do agressor em 48h pelo juiz, prazo este contado a partir do recebimento na Justiça do expediente com o pedido de medidas protetivas de urgência.
Nesse sentido, calha mencionar que a Lei Maria da Penha já previa em seu artigo 22, inciso I, a possibilidade de decretação da medida protetiva de suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente.
Lado outro, caso a arma de fogo tenha sido utilizada para o cometimento de um delito, havendo o flagrante, a própria Autoridade Policial já deve proceder à apreensão da arma de fogo, a qual ficará vinculada a um Inquérito Policial.
Já o artigo 38-A da Lei Maria da Penha acrescentou que o juiz competente providenciará o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas. Tal previsão é de extrema importância prática, já que a falta de compartilhamento de informações devido à inexistência de um banco de dados único dificulta muito a fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência pelos órgãos de segurança pública.
Por fim, a Lei 13.894/19 passou a estabelecer que o juiz deverá assegurar à mulher em situação de violência doméstica e familiar, o encaminhamento à assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para eventual ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente. O artigo 18 da Lei Maria da Penha praticamente repete o comando, determinando ao juiz o encaminhando da vítima à assistência judiciária, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas do recebimento do expediente com o pedido de medidas protetivas.
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