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Enquadramento jurídico das Guardas Municipais

Escrito por Humberto Brandão, Delegado de Polícia Federal

Ao traçar as regras basilares da segurança pública no Brasil, a Constituição Federal definiu, em um rol taxativo, quais são os órgãos responsáveis por este mister, cujos quais, em última análise, caracterizam-se por sua natureza policial. São eles:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI – polícias penais federal, estaduais e distrital.

VII – polícias penais.

Com efeito, a própria Constituição Federal ainda previu a criação, no âmbito municipal, de um órgão sui generis que concorre com as forças policiais na manutenção da ordem pública, sem, no entanto, ser propriamente uma instituição policial. É o que se depreende da leitura do § 8º da Carta Magna. Vejamos:

§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

O § 8º do art. 144 da Constituição Federal é uma norma de eficácia limitada, cabendo aos municípios a prerrogativa de organizar e instituir, através de lei, as suas respectivas guardas civis. Trata-se, decerto, de uma cláusula de peculiar interesse que confere aos municípios competência de organização de serviços de interesses locais[1].Outrossim, coube à União a edição da Lei 13.022/2014 dispondo sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais.

Quanto à nomenclatura ou à designação pela qual são reconhecidas, o parágrafo único do art. 22 do Estatuto Geral das Guardas Municipais assim dispõe:

Art. 22 (…)

Parágrafo único. É assegurada a utilização de outras denominações consagradas pelo uso, como guarda civil, guarda civil municipal, guarda metropolitana e guarda civil metropolitana.

Portanto, a Constituição Federal e a Lei Federal nos apresentam as seguintes designações:

  1. Guarda municipal;
  2. Guarda civil;
  3. Guarda civil municipal;
  4. Guarda metropolitana;
  5. Guarda civil metropolitana.

Tarefa mais intrincada é definir juridicamente o papel das Guardas Municipais. O entendimento majoritário é que não se trata de órgãos policiais. Neste sentido, para Alexandre de Moraes, a previsão constitucional das guardas municipais não lhes reconhece o poder de polícia ostensiva ou judiciária[2]. Não obstante, é forçoso admitir que ao longo do tempo as guardas municipais vêm ganhando relevância e papel destacado frente à crescente demanda da segurança pública.

Como ponto de partida para o entendimento, cabe ao art. 1º da Lei 13.022/2014 fornecer uma noção perfunctória do que vem a ser as guardas municipais:

  1. Instituições de caráter civil;
  2. Uniformizadas;
  3. Armadas

A descrição legal de que as guardas municipais são instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas não é o bastante para apontarmos o seu enquadramento jurídico. É preciso obter outros parâmetros na legislação. E a Lei que institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e disciplina a organização e funcionamento dos órgãos de segurança pública (Lei 13.675/18) nos aprovisiona com informações mais precisas ao afirmar que as guardas municipais são órgãos integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Pública (art. 9º, § 1º, inciso VII).

Portanto, malgrado não sejam consideradas órgãos policiais, as guardas municipais são órgãos de segurança pública, com atribuições restritas, que colaboram com os órgãos policiais[3]. Por exercerem um munus público, são investidas de poder de polícia na medida em que, da sua atuação, pode ocorrer limitação de direito, interesse ou liberdade, inclusive com o uso progressivo da força[4], mas sempre em razão do interesse público.

Quanto às atribuições das guardas municipais, podemos estabelecer duas ordens de classificação:

  1. Atribuições Constitucionais

De acordo com o § 8º do art. 144 da Constituição Federal, as guardas municipais se destinam à proteção:

  1. dos bens dos municípios,
  2. dos serviços dos municípios; e
  3. das instalações dos municípios.
  1. Atribuições Legais

O entendimento do STF é no sentido de que o § 8º do art. 144 da Constituição Federal não traz um rol taxativo de atribuições das guardas municipais[5]. Sendo assim, a Lei 13.022/2014 estabelece em seus arts. 4º e 5º, além das atribuições constitucionais, um vasto rol de atribuições. Vejamos as mais relevantes:

  1. colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social;
  2. colaborar com a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem, atentando para o respeito aos direitos fundamentais das pessoas;
  3. exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais,
  4. garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas;
  5. encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário;
  6. desenvolver ações de prevenção primária à violência, isoladamente ou em conjunto com os demais órgãos da própria municipalidade, de outros Municípios ou das esferas estadual e federal;
  7. auxiliar na segurança de grandes eventos e na proteção de autoridades e dignitários.

Vale lembrar que no exercício de suas atribuições, a guarda municipal poderá colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de Municípios vizinhos (art. 5º, parágrafo único, Lei 13.022/2014).

Questões polêmicas e a jurisprudência

  • Aposentadoria especial para os guardas municipais

Conquanto exerçam atividade de segurança pública e, por conseguinte, atividade de risco, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 1215727 – Recurso Extraordinário com Agravo – entendeu que os integrantes da guarda municipal não têm direito a aposentadoria especial (Relator Dias Toffoli – 30/08/2019).

  • Guarda municipal e poder de polícia de trânsito

Conforme já demonstrado no tópico das “atribuições legais das guardas municipais”, a Lei 13.022/2014 confere às guardas civis o “poder de polícia de trânsito”. Esta previsão legal teve sua constitucionalidade questionada no STF, tendo a Corte decidido, no julgamento do RE 658570, que é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas. (RE 658570; Relator: Min. Roberto Barroso; Julgamento: 06/08/2015).

  • Porte de arma de fogo para guardas municipais

O Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) proíbe o porte de arma de fogo para integrantes das guardas civis de municípios com menos de 50 mil habitantes. Em se tratando das capitais dos Estados e dos municípios com mais de 500 mil habitantes, a lei autoriza o porte de arma de fogo, ainda que fora de serviço. Por fim, nos municípios com população entre 50 mil e 500 mil habitantes, o Estatuto do Desarmamento autoriza o porte, porém, apenas quando em serviço.

Todavia, em junho de 2018, o Supremo Tribunal Federal deferiu liminar na ADIn 5.984/DF para suspender trechos do Estatuto do Desarmamento que restringiam o porte de arma de fogo a guardas municipais, autorizando, consequentemente, o porte por integrantes das guardas municipais, ainda que fora de serviço e independentemente do número de habitantes do município. O Ministro Alexandre de Moraes, relator da ADIn, destacou em sua decisão que as guardas municipais executam atividade de segurança pública, participando diretamente do combate à criminalidade, sendo certo que o aumento da criminalidade violenta comprovado estatisticamente não distingue municípios por seu número de habitantes.

Prof. Humberto Brandão

Instagram @federal.humberto

Referências bibliográficas

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2017.

MIRANDA, Jorge. Estudos de Direito de Polícia. 1º Volume. Lisboa. ACFDL. 2003.

FOUREAUX, Rodrigo. Segurança Pública. Salvador. Editora JusPODIVM. 2019.


[1] MIRANDA, Jorge. Estudos de Direito de Polícia. 1º Volume. Lisboa. ACFDL. 2003. p. 54.

[2] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2017. P. 595.

[3] FOUREAUX, Rodrigo. Segurança Pública. Salvador. Editora JusPODIVM. 2019. p. 124.

[4] Art. 3º, V, da Lei 13.022/2014.

[5] RE 658570  – Relator Min Marco Aurélio.

Comments (6)

  • JACINTO TELES COUTINHOsays:

    24 de August de 2020 at 19:15

    Uma exposição merecedora de reconhecimento, justo pelo domínio que o autor demonstra no assunto.
    Particularmente, entendo, que o legislador brasileiro [referimo-nos aos os parlamentares do Congresso Nacional], a nosso ver já deveria ter aprovado a Proposta de Emenda Constitucional que tramita, salvo engano, na Câmara dos Deputados, instituindo a Polícia Municipal.
    Nada mais justo, pois é no município que recebemos as primeiras ações do poder público, então a Guarda Municipal está muito mais próxima ao cidadão do que qualquer outra força de Segurança Pública, e assim, pode prestar um serviço de POLÍCIA COMUNITÁRIA, sem desmerecer as demais polícias, melhor do que qualquer outra. Basta que a Administração Municipal lhe dê as condições necessárias para tal, sobretudo, no âmbito da formação inicial e continuada.
    A Guarda Municipal é a única “polícia” que pode desenvolver um trabalho de segurança comunitária e dar continuidade sem interrupção pelos seus membros, já que estes não podem ser removidos para outra cidade, então queiram ou não, a Guarda poderá ser a única instituição policial que, inclusive, goza do instituto da INAMOVIBILIDADE, garantia constitucional que poucas instituições gozam perante a nossa Constituição da República de 1988.
    Uma GUARDA MUNICIPAL bem preparada para a defesa da cidadania, a exemplo de projetos de inclusão social de jovens nas periferias, pode ser um grande diferencial. Enfim, o assunto é por demais palpitante. Fica o nosso reconhecimento ao professor pesquisador pelas importantes informações, bem como a nossa sugestão.

  • Arildo Paiva Rodrigues.says:

    3 de April de 2021 at 08:58

    O STF e muito abiquo quanto a questão. Como consequencia, tem trazido muitas dúvidas nas ações e direitos dos GCMs. Exemplo: sou bacharel em direito, aspiro ao cargo de delegado, porém com essa ambiguidade do STF, eu tenho dúvida se eu faça ou não faço concurso de delegado, pois muitas das instituições estão pedindo tempo no cargo de policiais. E agora? Eis a questão, exerço ou não um cargo de reconhecimento de atividade policial

  • arildo paiva rodriguessays:

    23 de June de 2021 at 19:13

    A vida do guarda municipal, não tem sido nada fácil diante dessa insegurança jurídica. Mediante as seguintes questões:
    a) são ou não são órgãos de segurança publica a guarda municipal? Nao são, pra serem deveriam estar elencados no artigo 144,em um de seus incisos. tanto que nos concursos de delegado, ao requisitos de pratica policial não são reconhecidos.
    b) Não são, quando pra terem os direito a aposentadoria especiais. mas são quando reivindicam greves, e são negados.

  • Altivir de Oliveira Buenosays:

    10 de January de 2022 at 22:55

    Pelo que entendi, o poder dado a Guarda Municipal, de poder de Polícia, é somente administrativa, e cuidar dos órgãos públicos municipais, parques e praças, não podem fazer abordagem ou dar voz de prisão, sem o cidadão ter cometido crime, e só podem ter certas atitudes quando em apoio as Policias Militares.

  • Thiago Tenório Cavalcante E Sousasays:

    18 de January de 2022 at 15:43

    então, sobre o porte de arma de fogo, hoje, em 2022, está decidido que a guarda municipal tem direito ao porte de arma de fogo, levando em conta claro as leis de cada município, mesmo que fora de serviço ??

  • Marcelo Mascarenhas dos Santossays:

    24 de January de 2022 at 14:27

    A questão das Guardas Municipais é simples de resolver, basta incluir as Guardas Municipais no Rol das Polícias do artigo 144. Mas o ciúme e o corporativismo da Polícia Militar atrapalha os Guardas Municipais, nas cidades que tem Guardas Municipais atuantes como São Paulo a redução é de 40% dos crimes. É tão verdade que colocaram a Polícia Penal no Rol sem nenhuma objeção.

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