Segundo a redação literal do artigo 42, § 1º, do ECA, não.
Eis o dispositivo:
“Art. 42.
Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado
civil.
§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.”
Todavia, como sabemos, o Estatuto possui um princípio-matriz: o melhor interesse da criança ou do adolescente. A leitura do ECA deve passar pela análise desse princípio.
Em razão dele, o STJ tem, excepcionalmente, flexibilizado o artigo 42, § 1º, do ECA, para admitir a adoção por ascendentes “por se mostrar consentânea com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, fim social objetivado pela Constituição da República de 1988 e pela Lei 8.069/90, conferindo-se, assim, a devida e integral proteção aos direitos e interesses das pessoas em desenvolvimento, cuja vulnerabilidade e fragilidade justificam o tratamento” (REsp 1.587.477/SC, março de 2020).
Todavia, até pouco tempo, havia divergência no Tribunal: ver, por exemplo: REsp 1.635.649/SP, Terceira Turma, julgado em 27/02/2018 e REsp 1.796.733/AM, Terceira Turma, julgado em 27.08.2019.
Porém, atualmente, a Corte tem flexibilizado o dispositivo acima, a depender do caso concreto.
Segundo o STJ, a flexibilização da regra do ECA exige, todavia, a caracterização de uma situação excepcional. Mitiga-se o art. 42, § 1º, do ECA, em hipóteses excepcionais envolvendo crianças e adolescentes, e desde que verificado, concretamente, que o deferimento da adoção consubstancia a medida que mais atende ao princípio do melhor interesse do menor, sobressaindo reais vantagens para o adotando.
Entre as condições para isso, o Ministro Luís Felipe Salomão, relator do último caso julgado pelo Tribunal sobre o tema na 4ª Turma (REsp 1.587.477/SC, em março de 2020), destacou a necessidade do preenchimento dos seguintes requisitos:
1) o pretenso adotando seja menor de idade;
2) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o nascimento da criança;
3) a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial;
4) o adotando reconheça os adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão;
5) que não haja conflito familiar a respeito da adoção;
6) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando;
7) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e
8) a adoção apresente reais vantagens para o adotando
A análise será, pois, caso a caso.
As duas turmas de Direito Privado do STJ (3ª e 4ª) possuem precedentes na linha acima descrita. É essa a posição atual do STJ sobre o tema.
No REsp 1.635.649/SP, a Terceira Turma considerou que “a aplicação simplista da norma prevista no art. 42, § 1º, do ECA, sem as ponderações do ‘prumo hermenêutico’ do art. 6º do ECA, criaria a extravagante situação da própria lei estar ratificando a ruptura de uma família socioafetiva, construída ao longo de quase duas décadas com o adotante vivendo, plenamente, esses papéis intrafamiliares.”
Em resumo: a lei veda, mas o STJ admite em casos excepcionais.
Abraço a todos.
Rodrigo Leite
Coautor do livro “Análise das Divergências Jurisprudenciais no STF e STJ”, Editora Juspodivm. Autor do livro “Tombamento – Vol. 36 – Coleção Leis Especiais para Concursos”, Editora Juspodivm. Autor do livro “Desapropriação – Vol. 39 – Coleção Especiais para Concursos”, Editora Juspodivm. Coautor do livro “Saberes Jurisprudenciais”, Editora Saraiva. Especialista em Direito Público e Direito Processual Civil. Mestre em Direito Constitucional. Aluno laureado das Turmas 2005.2 da Universidade Potiguar. Autor de artigos jurídicos. Máster Universitário em Direito Constitucional pela Universidad Del País Vasco, San Sebastián, Espanha. Advogado licenciado. Assessor de Desembargador do TJRN.
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