Outros recursos para Delegado de Mato Grosso do Sul

Saudações a todos os alunos que enfrentaram, no último final de semana, o concurso  de delegado de polícia do estado do Mato Grosso do Sul. Alguns professores se pronunciaram nas redes sociais elogiando a prova em sua estrutura, pela forma inteligente com a qual as questões foram redigidas. Ouso discordar. Creio que a melhor palavra para definir tal avaliação, nas questões de penal, é convoluta. Enunciados desnecessariamente complicados, exigindo inferências lógicas a partir de premissas pouco claras e não raciocínio jurídico.

Vislumbro possibilidade de recurso em duas questões e aponto por aqui as fundamentações.

QUESTÃO 22

Ricardo foi preso em flagrante por crime de estelionato em fevereiro de 2005 em Corumba-MS, sendo definitivamente condenado dois meses depois, a pena de reclusão de dois anos. Cumprida a condenação, resolveu ir ao Paraguai visando a

novas oportunidades. Porem, desempregado, voltou a delinquir em solo estrangeiro, sendo condenado no mês de setembro de 2008 pena de três anos

por crime de roubo. Em Janeiro de 2009, enquanto aguardava em liberdade o julgamento de seu recurso, fugiu para cidade de Ponta Pora-MS, fixando residência. Nesta cidade, trabalhou como garçom no “Bar da Cana” ate março de 2012, quando foi preso pela Polícia Militar por utilizar local como ponto de venda de drogas. Na sentença pelo crime de trafico de drogas (artigo 33, da Lei n. 11.343/2006), julgador agravou pena de Ricardo por considera-lo reincidente.”

O gabarito apontou como correta a alternativa de letra A:

“O sentenciante se equivocou ao considerar o réu reincidente, pois, quanto ao primeiro crime, ignorou período de detração penal.”

A reincidência penal é verificada no direito brasileiro, conforme apregoa o artigo 63 do código penal, da seguinte forma: “Art. 63 – Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.”

Já a detração penal é conceituada no artigo 42 do mesmo estatuto repressivo: “Art. 42 – Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.”

Analisando a questão, percebe-se que Ricardo foi preso em flagrante em fevereiro 2005 e condenado, dois meses depois, a dois anos de prisão. Assim, quando o enunciado afirmou que a pena foi cumprida, exigiu do candidato o raciocínio acerca da detração penal, pois os dois meses de prisão processual foram computados na pena definitiva que se extinguiu em fevereiro de 2007. Destarte, quando voltou a delinquir em março de 2012, o agente já era tecnicamente primário, pois já havia passado 5 anos desde o cumprimento da pena. Frise-se que a condenação de 2008 ainda não transitou em julgado, razão pela qual não serve para fins de reincidência.

Em que pese o raciocínio traçado, o enunciado acima exige do candidato algumas inferências sem apresentar premissas suficientemente claras. Ao dizer que Ricardo foi preso em flagrante em 2005, o examinador não deixa claro que a prisão processual foi mantida durante o julgamento do réu. Aliás, o conhecimento histórico e sistêmico do direito processual penal proporcionaria ao candidato a conclusão em sentido contrário, pois, em que pese o fato de que nosso atual sistema cautelar só foi inserido no código de processo penal pela lei 12403/11, os tribunais superiores, em 2005, já possuíam o entendimento de que a prisão pré-processual  só se justificaria a partir de razões de cautela, sendo, portanto, a exceção e não a regra.

Nesta ordem de ideias, a alternativa B poderia ter sido considerada correta pelo candidato, tendo em vista a evidente ausência de informações na questão:  “O sentenciante agravou corretamente pena, pois prazo de cessação da reincidência ocorre apenas cinco anos apos cumprimento da pena e, neste caso, sucederia no mês de abril de 2012.”

Isto posto, considerando o fato de que o candidato não deve incluir ou presumir fatos que não estão narrados no enunciado, impõe-se a anulação da questão.

QUESTÃO 19

“A partir da narrativa dos casos a seguir, assinale a alternativa correta.

CASO 1

Ana combina com Paulo de Ihe fornecer um veneno que Ihe provocaria uma morte lenta, mas Ihe entrega outro que causa morte imediata.

CASO 2

Ana empresta uma arma para Rui cometer suicídio. Uma hora depois, Rui solicita Aldo que Ihe mate. Com apenas um disparo no coração, Aldo ocontempla a vontade de Rui.”

Foi considerada como correta a alternativa B: “Ana deverá responder por homicídio simples apenas no primeiro caso”.

Discordamos do gabarito. No caso 2, é evidente que Ana não responderia pela morte de Rui, pois emprestou a arma para auxiliar com um suicídio que não ocorreu. Com efeito, o suicídio é o autoextermínio voluntário e, na casuística narrada, Rui foi morto pela conduta de Aldo, não havendo qualquer liame subjetivo entre este último e Ana.

Todavia, não é possível dizer que Ana será responsabilizado por homicídio no caso 1, mas sim por participação em suicídio. Ora, o artigo 122 pune as condutas de induzir, instigar e auxiliar o autoextermínio voluntário e a modalidade “auxlílio” consiste justamente na colaboração material, através do fornecimento de instrumentos ou serviços, para a prática do suicídio, sendo necessário apenas que o auxiliar não cometa qualquer ato de execução capaz de matar a vítima.

O fato de que a velocidade de ação do veneno era diferente do combinado não altera para a tipificação, pois ambos queriam colaborar para o mesmo resultado e Rui tinha pleno conhecimento de que tomava uma substância mortal, pois esta foi sua vontade, concretizada por sua própria conduta. A doutrina jurídica não faz qualquer ressalva quanto à velocidade de ação da substância ou instrumento do crime, exigindo apenas relevância causal do auxílio e vontade do suicida de acabar com a própria existência. Neste sentido, Bitencourt:

“Prestar auxílio representa, ao contrário das duas modalidades anteriores, uma ‘participação’ ou contribuição material do sujeito ativo, que pode ser exteriorizada mediante um comportamento, um auxílio material. Pode efetivar-se, por exemplo, por meio do empréstimo da arma do crime.  (…) Por derradeiro, qualquer que seja a forma ou espécie de ‘participação’ , moral ou material, é indispensável a presença de dois requisitos: eficácia causal e consciência de ‘participar’ na ação voluntária de outrem de suicidar-se.” BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal 2: parte especial. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Página 135.

Cléber Masson arremata:

“É irrelevante o intervalo temporal entre a conduta criminosa e o suicídio da vítima. Estará tipificado o crime com a mera relação de causalidade entre a participação em suicídio e a destruição da própria vida” MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado: parte especial – 3 ed. São Paulo: MÉTODO, 2011. Vol. 2.

Cumpre ressaltar que não é sequer proporcional tipificar o crime de homicídio, em detrimento do delito menos grave, quando a intenção do partícipe no suicídio alheio era diminuir o sofrimento do agente capaz que voluntariamente retirou a própria vida. Tendo em vista a ausência de apontamentos doutrinários ou jurisprudenciais que corroborem o gabarito, impõe-se a anulação da questão.

Francisco Menezes

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