Recursos. Delegado de Polícia Federal.

Cumprindo mais uma vez seu compromisso com os alunos, o Supremo disponibiliza os fundamentos para impugnação de questões e gabaritos da prova objetiva de Delegado de Polícia Federal, realizada no domingo, 16 de setembro de 2018, conforme entendimento de seus professores.

Vale lembrar que cada candidato deve ler as especificações do Edital de abertura do concurso, para que possa interpor seu próprio recurso no site do CESPE-UnB. O Supremo não tem legitimidade ativa para interpor qualquer recurso em prol dos candidatos.

Os professores de Direito Civil, Direito Penal e Processo Penal enxergaram possibilidade de recursos contra o gabarito publicado. Assim, seguem os fundamentos abaixo.

Temos muito orgulho em ser um curso que realmente apoia seus alunos em todas as fases e em todos os momentos, até a aprovação. Por isso somos A Casa do Delegado. Obrigado pela confiança em nosso trabalho.

 

Direito Civil – Prof. Bruno Zampier

ASSERTIVA 32

RAZÕES PARA RECURSO:

Após apresentar uma situação hipotética relativa a leis no tempo, o examinador solicitou que o candidato respondesse a três itens considerando o disposto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ou seja, o Decreto-lei nº 4657/42.

Em um destes três itens, o examinador formulou a seguinte assertiva: “O contrato é regido pelas normas em vigor na data de sua celebração, observados os efeitos futuros ocorridos após a vacatio legis da nova lei”.

O gabarito preliminar, divulgado em 18 de setembro de 2018, apontou tal assertiva como ERRADA.

Para melhor compreensão, é importante dividir essa assertiva em dois momentos: na primeira parte, foi destacada a máxima do tempus regit actum, ou seja, a lei a ser aplicada a um contrato, até mesmo por razões de segurança jurídica, é aquela em vigor no momento de sua celebração. A publicação de uma nova lei regente daquele contrato, não tem o condão de ser aplicado a um contrato que lhe é anterior. Esta é a consagrada regra da irretroatividade da lei nova.

Já na segunda parte da assertiva impugnada, o examinador aborda a questão relativa aos efeitos futuros ocorridos após o período de vacatio legis da nova lei. E aqui reside uma enorme polêmica doutrinária: estes efeitos futuros de contratos, especialmente aqueles de trato sucessivo ou execução diferida, seriam regidos pela velha ou pela nova lei? Haveria no Brasil a propalada retroatividade mínima, apta a alcançar estes efeitos futuros de ato pretérito?

Antes de se responder a este interminável dissenso doutrinário, vale recordar que o desafio enfrentado pela lei no tempo é harmonizar a necessidade de progresso social ditada pela aprovação de novas leis e a segurança jurídica e paz social de situações que foram criadas e consolidadas no passado, e que podem ter efeitos contínuos no presente.

Para resolver esta questão, dois paradigmas foram construídos dentro daquilo que majoritariamente optou-se por denominar de direito intertemporal: a) irretroatividade da nova lei; b) efeito imediato da lei nova.

No Brasil, desde a primeira Constituição Republicana (1891), estabeleceu-se o status de norma constitucional ao princípio da irretroatividade, hoje assentado no art. 5º, XXXVI, CRFB/88.

Sob a rubrica do princípio da irretroatividade, há um comando dirigido ao legislador, no sentido de ser vedado se construir normas que se voltem para situações passadas. Mas esta irretroatividade também se dirige ao magistrado que, como regra, não deverá aplicar a nova lei a situações que se consolidaram antes desta. Para regular estas últimas, o juiz pode e deve aplicar a lei anterior, mesmo que esta esteja revogada, naquilo que se convencionou denominar ultratividade da lei revogada. Por exemplo, o CC 1916 ainda continua sendo aplicável a situações que se consolidaram sob sua vigência, mesmo após sua revogação expressa pelo CC 2002.

Quanto ao efeito imediato, todas as novas situações surgidas devem ser regulamentadas pela novel legislação, sendo vedado ao juiz aplicar a lei revogada a estes fatos. Ou seja: a lei nova se aplica a todos os fatos que ocorrerem durante a sua vigência. Esta previsão está no art. 6º, caput, da LINDB.

O contrato celebrado sob a vigência da lei antiga tem status de ato jurídico perfeito, não podendo ser alcançado pela eficácia retroativa excepcional de uma eventual lei nova. A LINDB inclusive optou por conceituar o ato jurídico perfeito como sendo aquele plenamente constituído, ou seja, que cumpriu todos os requisitos previstos na lei anterior, como por exemplo, um contrato que atendeu a todos seus requisitos de validade previsto na lei da época. Encontra-se também conceituado na LINDB, desta feita no art. 6º, §1º.

Voltando à parte final da assertiva impugnada, com a máxima vênia, ela não poderia ser objeto de indagação em uma prova objetiva, senão vejamos.

A questão solicita que a resposta do candidato seja fornecida de acordo com a LINDB. Ocorre que a LINDB não prevê expressamente a regulação de efeitos futuros de contratos celebrados no passado. Logo, não há como fornecer uma resposta com base na Lei objeto de indagação.

Diante desta lacuna na LINDB, a doutrina nacional e estrangeira, vem há anos debatendo o tema, não havendo qualquer consenso. Na França, Paul Roubier, em obra clássica sobre o assunto, afirma que em se tratando de contratos, pouco importa a entrada em vigor de novas disposições legais, ainda que sejam de ordem pública, uma vez que o contrato já firmado não será atingido (“Les Conflits de Lois dans le Temps”, t. II/123-124, ed. de 1933).

Na mesma linha de Roubier andou o STF na década de 1990, ao julgar a célebre ADI 493-0/DF. Por força da voto de seu relator, o Supremo decidiu que “se a lei alcançar os efeitos futuros dos contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. O disposto no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem e lei dispositiva. Precedentes do STF” (DJU, 04/09/1992).

Já para Carvalho Santos, admitindo a eficácia imediata de uma nova lei, para regulamentar efeitos futuros de contratos antigos, afirma que: “Onde quer que haja necessidade, por interesse da ordem superior, de sacrificar os direitos de outrem, não se pode negar a possibilidade da lei ter efeito retroativo, ainda que vá ferir direitos adquiridos, ato jurídico perfeito ou coisa julgada” (“Código Civil Brasileiro Interpretado. 7ª ed., vol. I/50-51).

Miguel Reale, nesta mesma linha, ensina que: “a aplicação imediata da lei nova “… implica na exigência irrevogável do seu cumprimento, quaisquer que sejam as intenções ou desejos das partes contratantes, ou dos indivíduos a que se destinam” (Lições Preliminares de Direito, 6ª ed., pág. 154).

Vale lembrar que o próprio Reale fez inserir no Código Civil atual norma bem semelhantes a esta sua linha de raciocínio. Trata-se do art. 2.035 e seu parágrafo único, os quais admitem a aplicação da Lei 10.406/2002 (Novo Código Civil) para regular efeitos de atos praticados anteriormente à sua entrada em vigor. Ou seja, há no Brasil norma que admite a retroatividade mínima. É certo que alguns doutrinadores pugnam pela inconstitucionalidade desta disposição do Código Civil, posição esta que não mereceu, contudo, análise pelo STF.

Por tudo o que se expõe, a medida mais correta a ser adotada pela ilustre e respeitável banca examinadora é a ANULAÇÃO da presente questão, com atribuição dos pontos a todos os candidatos regularmente inscritos e que prestaram a prova objetiva.

 

Direito Penal – Prof. Francisco Menezes

ASSERTIVA 69

“Cinco guardas municipais em serviço foram desacatados por dois menores. Após breve perseguição, um dos menores evadiu-se, mas o outro foi apreendido. Dois dos guardas conduziram o menor apreendido para um local isolado, imobilizaram-no, espancaram-no e ameaçaram-no, além de submetê-lo a choques elétricos. Os outros três guardas deram cobertura. Nessa situação, os cinco guardas municipais responderão pelo crime de tortura, incorrendo todos nas mesmas penas”.

GABARITO: E (errada)

A conduta praticada pelos guardas municipais se adequam ao tipo penal narrado no artigo 2º, § 1º da lei 9455/97, porquanto impuseram sofrimento físico ao apreendido por meio da prática de ato não previsto em lei, ou não resultante da medida legal (apreensão).

Ocorre que o gabarito oficial aponta a assertiva como errada, dando a entender que os três guardas que “deram cobertura” responderiam pela forma mais branda de tortura, prevista no artigo 1º, § 2º e conhecida doutrinariamente como tortura por omissão, uma vez que deixaram de evitar o crime quando tinham obrigação de fazê-lo.

A assertiva, entretanto, está correta. A expressão “dar cobertura” não denota conduta omissiva, mas comissiva – os três guardas que não participaram diretamente dos suplícios forneceram ativamente as condições propícias para que o crime ocorresse sem abalos, pois é este o sentido que o termo “dar cobertura” ganha na prática jurídica.

Assim, empreendendo esforços comissivos em prol do mesmo objetivo criminoso – uma vez que o termo “dar cobertura” não permite outra interpretação – poderiam até mesmo ser considerados coautores, conforme implica a moderna teoria do domínio do fato. Forçoso reconhecer que a questão merece ANULAÇÃO.

 

Direito Penal – Prof. Cristiano Campidelli

ASSERTIVA

  1. Cinco guardas municipais em serviço foram desacatados por dois menores. Após breve perseguição, um dos menores evadiu-se, mas o outro foi apreendido. Dois dos guardas conduziram o menor apreendido para um local isolado, imobilizaram-no, espancaram-no e ameaçaram-no, além de submetê-lo a choques elétricos. Os outros três guardas deram cobertura. Nessa situação, os cinco guardas municipais responderão pelo crime de tortura, incorrendo todos nas mesmas penas.

GABARITO: E (errada)

 

A Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, criminalizou a tortura, estabelecendo pena de reclusão, de dois a oito anos, para quem realiza, dentre outras, as seguintes condutas:

 

  1. Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo (Art. 1º, II);
  2. Submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal (Art. 1º, § 1º).

 

Em tipo penal específico, a mesma lei pune, com pena de detenção de um a quatro anos, aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las (Art. 1º, § 2º).

Ocorre que, no caso da ASSERTIVA 69, trata-se de hipótese de concurso de pessoas (art. 29 do CP), na medida em que os cinco guardas concorreram para a prática do mesmo crime de tortura, dois deles realizando os atos lesivos propriamente ditos, e outros três dando cobertura.

A título de exemplo, respondem pelo crime de roubo, tanto os indivíduos que adentram a agência bancária de armas em punho, quanto os coautores que permanecem do lado de fora dando cobertura.

Não é possível, portanto, enquadrar no tipo omissivo do § 2º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997 as condutas dos três guardas que deram cobertura, na medida em que a conduta dos mesmos foi positiva, uma vez que efetivamente agiram em coautoria ao darem cobertura à ação dos outros dois guardas.

Por mais que se argumente que a expressão “deram cobertura” tenha sido empregada no sentido de nada fazer, não é esse o contexto em que a mesma é utilizada no mundo jurídico, uma vez que dar cobertura significa se colocar em posição de assegurar a execução criminosa para a qual se está concorrendo, o que vai muito além da conduta omissiva tratada no § 2º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997.

Por tais razões e pela utilização de expressão, no mínimo, equívoca, a questão deve ser anulada.

 

ASSERTIVA

  1. Nos crimes de organização criminosa, é vedado ao magistrado ordenar, de ofício, antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas, mesmo daquelas consideradas urgentes e relevantes.

GABARITO: C (certa)

Conforme dispõe o art. 156, inciso I, do Código de Processo Penal, é facultado ao juiz de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, tendo tal redação sido dada pela Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, cuja inconstitucionalidade ainda não foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal, razão pela qual segue plenamente aplicável.

Tal dispositivo foi citado pelo STF, sem ressalvas, no julgamento referente ao Inq 4483 AgR-segundo-DF e Inq 4327 AgR-segundo-DF, J. 14 e 19/12/2017.

Logo, tal dispositivo aplica-se subsidiariamente às leis penais e processuais penais especiais que não dispuserem expressamente em contrário (Ar. 1º do CPP), motivo pelo qual a questão deve ser anulada por contrariar texto expresso de lei federal.

 

ASSERTIVA

  1. Delegado da PF não poderá instaurar, de ofício, IP para apurar crime de abuso de autoridade supostamente praticado por gestor público federal que age no exercício da função.

GABARITO: C (certa)

A Lei nº 7.834, de 6 de outubro de 1989, criou a carreira e os cargos de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, os chamados gestores públicos federais.

Não há na citada lei nenhuma imunidade que justifique a assertiva de que o Delegado de Polícia Federal não poderá instaurar, de ofício, inquérito policial para apurar crime de abuso de autoridade praticado por gestor público federal no exercício da função.

Caso a questão esteja se referindo aos gestores públicos federais como um todo e não apenas ao cargo supracitado, ainda com mais razão o gabarito da questão encontra-se errado, uma vez que o crime de abuso de autoridade é de ação penal pública incondicionada.

O direito de representação previsto no art. 5º, inciso XXXIV, alínea a, da Constituição Federal e no art. 1º da Lei nº 4898/1965, tem natureza jurídica de notitia criminis e não deve ser confundido com a condição de procedibilidade existente nas ações penais públicas condicionadas à representação do ofendido, uma vez que o crime de abuso de autoridade é de ação penal pública incondicionada.

Nesse sentido, a Lei nº 5.249/1967 dispõe em seu art. 1º que “a falta de representação do ofendido, nos casos de abusos previstos na Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, não obsta a iniciativa ou o curso de ação pública.”

Pelos motivos acima expostos, a questão deve ser ANULADA.

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