A divergência entre as instituições que compõem o Sistema de Justiça Criminal, referente à capacidade postulatória para a representar junto ao Poder Judiciário, pleiteando determinada medida cautelar, tais como prisões, buscas e interceptações, vem de longa data.
Alguns membros do Ministério Público, em que pesem as expressas disposições legais, defendem a ideia de que o Delegado de Polícia não poderia pleitear diretamente à autoridade judicial, visto que a Polícia Judiciária não seria titular da ação penal. Logo, a representação do Delegado deveria ser direcionada ao Ministério Público e não diretamente ao Judiciário. Caso o parquet viesse a concordar com a medida sugerida, aí sim se faria a representação.
O titular da ação penal se apega exclusivamente ao que diz a Constituição Federal em seu art 129, inciso I:
“São funções institucionais do Ministério Público:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;”
Porém, o que precisa ser considerado é o fato da capacidade postulatória do Delegado de Polícia estar positivada, repetidas vezes, em diversas leis. Isso demonstra claramente que o objetivo do legislador é trazer celeridade e eficácia à investigação criminal.
O Código de Processo Penal, Decreto Lei, 3.689 de 3 de outubro de 1941, traz em seu Art. 4º:
“A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá, por fim, a apuração das infrações penais e da sua autoria.”
A Carta Magna corrobora tal capacidade postulatória, em seu art. 144, §1º, inciso IV:
“A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
Observemos o §4º, do inciso IV do respectivo art, qual seja, o 144 da Constituição da República:
- 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
A Lei 12.830/13, que dispõe sobre a investigação criminal atribuída ao Delegado de Polícia, prevê, no mesmo sentido, que as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais são exercidas por esta autoridade policial, sendo ele o responsável pela condução do inquérito policial, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, materialidade e autoria das infrações penais.
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
Neste mesmo sentido, poderiam ser ainda citadas a Lei 12.850/2013 (Lei de combate às Organizações Criminosas), a Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), a Lei 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro), todas concedendo legitimidade ativa ao Delegado de Polícia, ao que se refere à representação por medidas cautelares junto ao Poder Judiciário.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) demonstrou estar de acordo com a capacidade postulatória do Delegado de Polícia. Para o Ministro Luiz Roberto Barroso, não há fundamento jurídico para retirar da autoridade policial a legitimidade para o requerimento de meios de obtenção de provas, que é inerente à função de polícia judiciária. “Não se trata da formação da opinio delicti, propositura de denúncia ou atuação no curso do processo, matérias que são, essas sim, de competência exclusiva do titular da ação penal (CF, 129, I). Exigir a concordância do MP para o deferimento da medida é o mesmo que negar legitimidade à autoridade policial. O MP deve ser ouvido a respeito da representação, mas o seu parecer não é vinculante”, explicou.
Mesmo nos inquéritos de competência originária do STF – em que pese sua instauração depender de manifestação do Procurador Geral da República e de autorização do Supremo Tribunal Federal – a investigação continua a cargo da Polícia Judiciária, que mantém, consequentemente, sua legitimidade de representar pelas medidas investigativas que entender pertinentes.
O Delegado de Polícia tem formação jurídica, assim como os juízes, os advogados e os membros do Ministério Público. E é o dirigente da Polícia Judiciária, incumbida, constitucionalmente, da apuração das infrações penais.
Portanto, em que pese a posição minoritária de alguns membros do Ministério Público em relação à capacidade postulatória do Delegado de Polícia, resta claro que o inquérito policial não é mero instrumento à serviço da acusação. Pelo contrário, o inquérito policial cada vez mais se firma como meio de elucidação da materialidade, autoria e circunstâncias do delito, servindo em muitos casos inclusive para inocentar eventual suspeito. Percebe-se, então, que o instrumento investigativo em questão serve também à defesa e não exclusivamente à acusação.
Esta decisão da Suprema Corte, exarada em outubro de 2019, no bojo da AC 4430, demonstra de uma vez por todas que a Polícia Judiciária tem sim capacidade postulatória, como expressamente previsto em vários diplomas legais.
REFERÊNCIA:
BRASIL, Constituição da República, 1988, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 13/10/19, às 12:15
BRASIL, Lei 12.830 de 20/06/13 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm, acesso em 13/10/19 – às 11:32
BRASIL, Supremo Tribunal Federal – STF – AC 4430, http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5749422
https://jus.com.br/artigos/68973/a-legitimidade-do-delegado-de-policia-para-representar-por-medidas-cautelares-durante-a-investigacao-criminal, acesso em 13/10/19 – às 12:33
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