Medida Provisória 927: Direito do Trabalho e Coronavírus

Qual a influência do coronavírus no Direito do Trabalho? Como ficam as relações de emprego no atual estado de calamidade pública? Os empregados podem ter seus salários reduzidos? Confira neste artigo estas e outras reflexões sobre o tema!

O mundo está passando por um momento muito delicado em razão da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus. E essa pandemia reflete diretamente em diversas áreas do Direito, como no Direito Civil, Constitucional, do Consumidor, do Trabalho, Econômico, Financeiro, Tributário, Administrativo e Penal.

Por isso, para gerar reflexões e incutir juízo crítico no operador do Direito, o Supremo fez diversos vídeos ao vivo em seu perfil no Instagram (@supremotv), disponíveis também em seu canal no YouTube, sobre Coronavírus e o Direito. Seguindo essa mesma linha, artigos sobre o tema também serão publicados aqui no blog.

Neste artigo, será reproduzida a live feita pelos professores Bruno Zampier e Thiago Moraes, na terça-feira, dia 24/03/2020, às 19:00. O tema foi a Medida Provisória 927, escolhido por ser de extrema importância para quem trabalha em regime celetista, está em regime alternativo ou de férias antecipadas, conhece alguém que foi demitido durante a pandemia, é empreendedor, milita com o Direito do Trabalho ou advoga.

A situação atual para o Direito do Trabalho

Os professores Bruno Zampier e Thiago Moraes iniciaram a live tratando da crise enfrentada por empregados e empregadores em todo o país. Ambos os lados têm sofrido com as preocupações e incertezas do momento atual.

Nessa linha, fizeram uma observação importante: a tendência é que haja uma polarização nas relações de emprego, estando o empregador sempre do lado cruel. Ocorre que, parando para analisar a realidade brasileira, grande parte do empresariado é composta por microempresários. E muitos deles, em regra, constituem uma empresa com o objetivo primeiro de ter o seu sustento e de sua família, sendo o lucro apenas uma consequência. Por isso, o dono de um comércio local pequeno também tem sido impactado por essa crise, pois não tem ideia de como continuará pagando seus funcionários sem a receita necessária para tanto.

O Direito do Trabalho aparece, portanto, como uma forma de regulação e de restabelecimento do equilíbrio nessas relações jurídicas. E o professor Thiago complementou: além disso, a empatia também precisa ser exercida, mesmo porque ela é anterior ao próprio Direito.

Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020

A Medida Provisória (MPV) 927 entrou em vigor no dia 22 de março de 2020. Ela dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. É importante lembrar que ela se aplica apenas enquanto durar a pandemia causada pelo referido vírus.

Antes dela, com a publicação da Lei 13.979/2020, deu-se início ao isolamento e à quarenta. Como consequência, surgiram três situações: (i) empresas que continuaram abertas, principalmente aquelas destinadas à prestação de serviços essenciais; (ii) empresas que colocaram seus funcionários em home office ou em outros regimes alternativos, tais como férias individuais e coletivas; (iii) e empresas que não podem adotar regimes alternativos, mas que, mesmo assim, precisaram paralisar suas atividades.

Nesse contexto, empregados e empregadores começaram a se perguntar: como pagar o salário sem receita? Vou perder meu emprego? Quando voltaremos às atividades normais?

A MPV 927 surge, portanto, como forma de regulamentar essas questões.

Na live, o professor Thiago Moraes tratou das diversas alternativas apontadas pela MPV para o cumprimento da quarentena. São elas: home office ou teletrabalho, antecipação de férias individuais, férias coletivas, antecipação de feriados e banco de horas. Além disso, falou sobre a redução de salários, pagamento de FGTS e extinção do contrato de trabalho por fato do príncipe. Por fim, tratou do direcionamento do trabalhador para qualificação, cujas disposições legais (art. 18 da MPV 927) foram revogadas pela Medida Provisória 928.

>> Home office/teletrabalho (arts. 4º e 5º)

Antes da MPV 927, a legislação trabalhista previa que a alteração de regime trabalhista para teletrabalho devia ser acordado entre empregado e empregador. Agora, com ela, diante da urgência da situação, essa alteração pode ser unilateral, não sendo necessária a anuência do empregado. Mas, para que seja plenamente válida, precisa ser comunicada ao empregado com até 48 horas de antecedência, por escrito ou por meio eletrônico. Lembrando que da mesma forma que o empregador pode determinar o teletrabalho, também pode determinar o retorno ao regime presencial.

Vislumbrando a real possibilidade de trabalhar sob este regime, o empregado passou a se perguntar: vou receber horas extras e adicional noturno? Como ficarão meus intervalos intrajornada e interjornada?

A resposta é: com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), os trabalhadores que exercem home office foram retirados do capítulo da CLT destinado à duração do trabalho. Isso significa que não fazem jus a nenhum destes benefícios. Mas o professor Thiago Moraes esclareceu: se houver excesso de trabalho que possa ser comprovado por algum meio (como monitoramento eletrônico, por exemplo), o empregado pode requerer esses direitos trabalhistas judicialmente.

>> Antecipação de férias individuais (arts. 6º a 10)

A MPV 927 também trouxe uma outra alternativa: antecipação de férias.

Antes dela, o aviso de férias deveria ser feito com, no mínimo, 30 dias de antecedência, para que o empregado tivesse tempo hábil para se programar.

Com a situação atual, esse longo período de aviso poderia acarretar a perda do objeto das férias antecipadas, já que não se sabe quanto tempo o estado de calamidade pública vai durar. Por isso, a MPV 927 alterou essa previsão para que o aviso seja feito com, no mínimo, 48 horas de antecedência. O comunicado ao empregado deve ser feito por escrito ou por meio eletrônico.

Alguns criticam essa medida, pois, segundo eles, apesar de estar de férias, o empregado não poderá sair de casa, viajar e se divertir, em razão da necessidade de isolamento social. Mas há aqueles que a defendam, pois este é um quadro de total exceção. Apesar de tudo, conforme dito pelos professores, a época de gozo das férias sempre foi discricionariedade do empregador. Então, pensando por esse lado, o único aspecto que mudou, de fato, foi o prazo de aviso.

Por fim, o pagamento da remuneração das férias poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao início de seu gozo e o empregador poderá optar por efetuar o pagamento do adicional de um terço após sua concessão, até a data em que é devida a gratificação natalina.

>> Férias coletivas (arts. 11 e 12)

A MPV 927 também apontou a concessão de férias coletivas como uma possível alternativa para o momento atual.

Se o empregador optar por concedê-la, deverá comunicar os empregados com antecedência de, no mínimo, 48 horas, ficando dispensado de comunicar previamente o Ministério da Economia (antigo Ministério do Trabalho) e os sindicatos respectivos.

Observação importante feita pelo professor Thiago: a MPV 927 não regulamenta o prazo de pagamento das férias coletivas, aplicando-se, portanto, as regras da CLT. Vale lembrar que, na Consolidação das Leis do Trabalho, as regras para pagamento de férias são as mesmas para as individuais e coletivas.

Ainda segundo o professor, é inócua a discussão que gira em torno desse pagamento, já que, não fosse aplicada a citada regra, bastaria o empregador conceder várias férias individuais para se esquivar de qualquer problema.

>> Antecipação de feriados (art. 13)

Segundo a MPV 927, também pode ser concedida a antecipação dos feriados. A comunicação deve ser feita ao empregado com antecedência mínima de 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico.

Ainda segundo a MPV, só podem ser antecipados de forma unilateral os feriados não religiosos. Os religiosos só podem ser adiantados com a anuência do empregado, para preservar a liberdade de crença de cada um.

>> Banco de horas (art. 14)

Para a empresa que precisar paralisar suas atividades e não puder adotar nenhuma das medidas anteriores, também existe a alternativa do banco de horas.

Adotando essa modalidade, o empregado ficará em casa, sem trabalhar, recebendo seu salário normalmente. Isso porque, segundo o princípio da alteridade, os riscos da atividade do trabalho correm por conta do empregador.

Com o retorno às atividades, o empregado poderá compensar, em até dezoito meses, o período que ficou em casa, podendo fazer até duas horas extras por dia, sem que ultrapasse a jornada de dez horas.

Vale lembrar que, antes da MPV 927, o banco de horas poderia ser compensado em até seis meses de trabalho extra. Agora, diante da incerta carga horária de trabalho que precisará ser compensada, a MPV dispôs de forma mais benéfica ao trabalhador, concedendo-lhe prazo maior.

>> FGTS (art. 19)

Segundo a MPV 927, fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.

O recolhimento dessas parcelas poderá ser parcelado em até seis vezes, sem juros e correção monetária. Entretanto, caso o empregador rescinda o contrato de trabalho com seu empregado no período de calamidade pública, precisará recolher todo esse valor, pois ele servirá de base de cálculo para a multa de 40% deste benefício.

>> Redução de salário

Muitos empregadores têm alegado que a atual pandemia se enquadra no conceito de força maior mencionado no art. 503 da CLT, sendo possível, portanto, a redução de salário de seus empregados em até 25%.

Todavia, esse é um dispositivo de redação antiga. Prova disso é que ele menciona “salário mínimo da região”, que não existe mais, já que, atualmente, o salário é nacionalmente unificado.

Além disso, para o Direito do Trabalho, força maior é aquele evento que acarreta a extinção do estabelecimento.

Infelizmente, a MPV 927 não trouxe regulamentação sobre isso. Sendo assim, será aplicada a regra da irredutibilidade do salário, prevista no art. 7º, VI, CRFB/88, podendo ser reduzido apenas se for feita negociação coletiva de trabalho com o sindicato respectivo. O percentual de redução também deverá ser acordado, já que o mencionado artigo não o prevê.

Uma observação importante: o acordo não precisa ser homologado pela Justiça do Trabalho, pois será celebrado em respeito à autonomia da vontade coletiva.

>> Extinção do contrato de trabalho e Fato do Príncipe

O Fato do Príncipe é aplicável originariamente ao Direito Administrativo. Mas, segundo o professor Thiago Moraes, faz-se essa construção jurídica no Direito do Trabalho para autorizar a rescisão do contrato por força maior.

No momento atual, o fechamento de um estabelecimento pelo Poder Público poderá ocasionar rescisões trabalhistas, principalmente nos casos daqueles microempresários citados inicialmente. Assim, essas demissões poderão ser enquadradas como força maior.

Essa dispensa gera os seguintes impactos: (i) não haverá pagamento de aviso prévio ao empregado, pois a demissão foi imprevisível; (ii) e a multa de 40% do FGTS será paga no percentual de 20%. Nesse caso, há quem entenda que é o Poder Público (Estado ou Município, a depender de qual deles determinou o fechamento) que deve pagar a multa, já que foi ele quem deu causa à rescisão. Todavia, isso deverá ser requerido judicialmente, pois o governo não fará o pagamento de forma voluntária.

Por fim, com relação ao seguro-desemprego, há uma Portaria da Caixa Econômica Federal informando que não cabe o recebimento deste benefício em casos de força maior. Todavia, discute-se sua constitucionalidade, já que o art. 7º, II, CRFB/88, prevê o seguro para hipóteses de desemprego involuntário – e o desemprego por força maior não pode ser considerado como voluntário.

>> Direcionamento do trabalhador para qualificação (art. 18)

Segundo o professor Thiago Moraes, o art. 18 da MPV 927 previa a possibilidade de empregador e empregado, por meio de acordo individual, pactuarem pela suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses. Em contrapartida, o trabalhador precisaria fazer um curso de qualificação, relacionado à sua área de trabalho.

Ocorre que, na suspensão do contrato de trabalho, o empregado não trabalha e não recebe salário (diferente da interrupção, em que ele não trabalha, mas continua recebendo).

Percebendo o quão impopular foi a medida, o Presidente da República editou, no dia seguinte, a Medida Provisória 928, revogando o art. 18.

Conclui-se, portanto, que o coronavírus exerce grande impacto no Direito do Trabalho, havendo diversas medidas alternativas que possibilitam a manutenção dos contatos de trabalho neste momento de crise.

Gravamos essa live para você assistir!

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Supremo TV

01 de abril de 2020

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