Prisão Temporária: o rol (não tão) taxativo do inciso III do art. 1º da Lei nº 7.960/1989

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Escrito por Carolina Máximo e Cristiano Campidelli

A prisão temporária é prevista na Lei nº 7.960/1989, com a incidência do art. 2º, § 4º, da Lei nº 8.072/1990 quando se tratar de crime hediondo ou equiparado.

Trata-se de prisão cautelar decretável pelo juiz, no interesse do inquérito policial, mediante requerimento do Ministério Público ou representação do Delegado de Polícia (neste caso, ouvido o MP).

Sua duração será de 5 dias, prorrogáveis por mais 5 dias, em caso de extrema e comprovada necessidade. Quando se tratar de crimes hediondos ou equiparados (arts. 1º e 2º da Lei nº 8.072/1990), o prazo será de 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias, também em caso de extrema e comprovada necessidade.

Segundo o art. 1º da Lei nº 7.960/1989:

Art. 1° Caberá prisão temporária:

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Vale registrar, sobre o aludido dispositivo, que:

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Vale registrar, ainda, que em decisão recente, no julgamento das ADIs 4109 e 3360, o STF estabeleceu os critérios que devem ser observados para a motivação e a fundamentação da decisão que decretar a prisão temporária [1]. Vejamos:

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Contudo, apesar do STF ter consignado na decisão que o rol do inciso III do art. 1º da Lei nº 7.960/1989 é taxativo, tal referência não afasta o cabimento da prisão temporária para todos os crimes hediondos e equiparados, independentemente de figurarem ou não no aludido rol.

O fundamento para o cabimento da prisão temporária em relação a tais crimes é encontrado no art. 2º, § 4º, da Lei nº 8.072/1990, que AMPLIOU o rol de crimes em que é cabível a prisão temporária:

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Analisando o inteiro teor da decisão do STF, é possível verificar, no voto da Ministra Carmem Lúcia, o seguinte:

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Analisando as divergências abertas pelos Ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin, os quais trataram da vedação da analogia ou interpretação extensiva do rol previsto no inciso III do art. 1º da Lei nº 7.960/1989, resta claro que não estão afastando os crimes hediondos e equiparados, mas sim os demais crimes comuns que não constam do aludido rol.

As divergências abertas por eles foram em relação aos requisitos para a decretação da prisão temporária, na medida em que a Ministra Carmen Lúcia entendia que bastava a presença dos requisitos dos incisos I e III ou I, II e III do art. 1º da Lei nº 7.960/1989, enquanto o Ministro Gilmar Mendes e, depois, o Ministro Edson Fachin ampliaram os requisitos exigidos para a decretação de tal medida cautelar.

Contudo, em nenhum momento foi rechaçada a afirmação de cabimento da prisão temporária nos crimes hediondos e equiparados, ainda que não constem do supracitado rol da Lei nº 7.960/1989.

Portanto, também caberá prisão temporária de 30 dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade, nos crimes hediondos e equiparados não constantes do rol do inciso III do art. 1º da Lei nº 7.960/1989, a saber:

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Logo, o rol do inciso III do art. 1º da Lei nº 7.960/1989 é taxativo se considerados os crimes comuns, o que não impede a decretação da prisão temporária para todos os crimes hediondos e equiparados previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.072/1990, independentemente de figurarem ou não no rol do aludido inciso III. [3]

Nesta linha de raciocínio, o que se verifica é que, apesar da principiologia das medidas cautelares pessoais de natureza privativa exigirem limitabilidade, necessidade e adequação, a natureza fluida, dinâmica e até mesmo populista da Lei de Crimes Hediondos faz com que a Lei de Prisão Temporária alcance espaços de aplicação temerários e desproporcionais.

A título de exemplo, menciona-se que, dentre as recentes mudanças legislativas, inseriu-se no rol de crimes hediondos o crime de furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum, tipificado no artigo 155, §4º-A do Código Penal. Por mais gravosas que sejam as circunstâncias empregadas, o crime é patrimonial e sem o emprego de violência ou grave ameaça.

As constantes inserções de crimes na Lei de Crimes Hediondos denotam o caráter midiático e punitivista da referida legislação, a qual se originou de casos concretos de bastante repercussão do fim da década de oitenta e início de noventa: os sequestros do empresário Abílio Diniz e do publicitário Roberto Medina foram motores propulsores à decretação do regime de urgência da Lei que já tramitava no Congresso Nacional. Anos mais tarde, por força da comoção nacional do homicídio qualificado que teve por vítima Daniela Perez, filha da novelista global Glória Perez, restou inserido no rol de crimes o homicídio qualificado. De igual modo, o recém colocado furto qualificado também veio a atender anseios empresariais e bancários, vítimas comuns desse furto com o referido modus operandi.

A constante ampliação do referido rol de crimes hediondos, embora possa ser considerada desproporcional, de forma ontológica não pode ser considerada antijurídica: a origem etimológica de hediondo remete àquilo que causa repulsa, de maior gravidade, que provoca reação de maior indignação. Por isso, merece maior reprimenda penal.

Dada a subjetividade do conceito indeterminado, somada à pluralidade ideológica e corporativista de representantes do Poder Legislativo em meio à sociedade bastante punitivista e alarmada com a crescente criminalidade, é natural que o legislador se socorra à utilização panfletária e ilusória do Direito Penal para falsamente sanar o problema.

Contudo, na esteira do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a constante dilatação do rol de crimes hediondos impacta diretamente no tratamento dado à prisão temporária, fazendo com que se perca a característica da taxatividade diante de tanta fluidez legal, refém de repercussões sociais e midiáticas.

Diante do permissivo legal e jurisprudencial, como consequência, aumenta-se a responsabilidade das autoridades policiais, membros do Ministério Público e autoridades judiciárias quando da análise casuísta em meio ao Sistema Acusatório: apesar do crime estar dentre os que admitem a prisão temporária, não se pode presumir, por si só, a enorme repulsa social ou gravidade social a ponto de imediatamente encarcerar a título cautelar os suspeitos de cometê-lo.

Por conseguinte, deve-se dar a envergadura e importância adequadas à principiologia já trazida às medidas cautelares, no bojo do artigo 282 do Código de Processo Penal, balizada pela recente e já mencionada Interpretação Conforme a Constituição da Lei 7.960/1989 perpetrada pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo das ADIs 4109 e 3360.

É imperioso que se resguarde verdadeiramente o Sistema Acusatório, sob o corolário da presunção de inocência, evitando prisões processuais desnecessárias, levianas e fundadas em clamor social e pressão midiática, incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.

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[1] STF, ADIs 4109 e 3360, Plenário, Sessão virtual J. 4 a 11/02/2022.

[2] O Ministro Gilmar Mendes, por equívoco, chegou a escrever, sem ressalvas, que é inadmissível a decretação de prisão temporária em hipóteses de imputação por organização criminosa, com base no princípio da legalidade estrita ou cerrada. Embora, no passado, tal afirmativa fosse verdadeira, o ministro esqueceu-se de que, com o advento da Lei nº 13.964/2019, “o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado”, tornou-se crime hediondo também (art. 1º, parágrafo único, inciso V, da Lei nº 8.072/1990) e, nesta condição, caberá sim em relação a ele a decretação de prisão temporária de 30 dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade (art. 2º, § 4º, da Lei nº 8.072/1990).

[3] Mas ATENÇÃO! Em uma prova objetiva, atente-se para as expressões utilizadas pelo STF: “Houver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado nos crimes previstos no art. 1º, III, da Lei nº 7.960/1989 (fumus comissi delicti), vedada a analogia ou a interpretação extensiva do rol previsto no dispositivo.” Pode ser que o examinador queira saber apenas se você conhece a ementa do julgamento, sem verticalizar pelo inteiro teor da decisão, de maneira que uma afirmativa que reproduza a frase anterior entre aspas deve ser considerada correta.

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1 comentário - Quero comentar!

  • Excelente artigo! Importantíssimo. Destaca-se que alguns autores, como Aury Lopes, argumentam que o rol da lei 7.960/89 é taxativo e que a prisão temporária de 30 dias por crime hediondo só pode acontecer se o delito estiver ao mesmo tempo na lei de prisão temporária e de crimes hediondos. Todavia, cumpre dizer que trata-se de posição minoritária que não é seguida por boa parte da doutrina e nem da jurisprudência.

    Comentário por Douglas — outubro 20, 2022 @ 11:31 am

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